Introdução
A hipótese das origens do desenvolvimento da saúde e da doença, inicialmente postulada por Barker, na década de 1980, e, na atualidade, conhecida como fetal programming, ou programação fetal, refere-se a condições intrauterinas inferiores ao ideal, que parecem manter associação com doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) na idade adulta.1
O interesse crescente no meio científico por essa relação esteve apoiado principalmente na busca por fatores condicionantes, ainda não consolidados, que justificassem o aumento da incidência das DCNTs e, consequentemente, da mortalidade ocasionada por essas condições. Na atualidade, essas doenças são responsáveis por mais de 70% dos óbitos em âmbito mundial.2
Entre as causas que conduziriam à programação fetal, destacam-se a alimentação e nutrição durante o período gestacional, que, quando em quantidade e qualidade insuficientes, podem causar malnutrição ou desnutrição materna, tornando o útero um ambiente inapropriado em um período crítico de desenvolvimento.3
A placenta, primeiro órgão endócrino a se desenvolver após a concepção, forma a interface entre a mãe e o feto. É através da circulação uteroplacentária que ocorre a transferência de oxigênio e nutrientes para o feto. Esse órgão atua, também, como barreira imunológica na proteção fetal. Uma placentação inadequada pode se associar a condições gestacionais patológicas, como a pré-eclâmpsia, e, ainda, a outros agravos relacionados à incapacidade de adaptação placentária a situações ambientais adversas, mediando negativamente as interações materno-fetais.4
Condições caracterizadas por prematuridade, nascer pequeno para a idade gestacional (PIG) e baixo peso ao nascer (BPN) podem, no decorrer da vida, provocar alterações fisiológicas e distúrbios endócrinos, direcionando modificações hormonais que influenciam o crescimento somático. Também podem ocorrer alterações metabólicas, por meio do aumento das citocinas pró-inflamatórias e da produção de espécies reativas de oxigênio (EROs), e/ou alterações estruturais, como modificações na morfologia de alguns órgãos essenciais — crescimento retardado ou reduzido —, que culminariam no desenvolvimento de DCNTs na idade adulta.3,4
Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- identificar fatores de risco intrínsecos e extrínsecos ao período gestacional que podem causar condições adversas ao nascimento (prematuridade, BPN e PIG);
- descrever o conceito de programação fetal e as prováveis interações intraútero que podem atingir o binômio materno-infantil;
- distinguir os riscos em curto e longo prazo associados a condições fetais adversas ao nascimento;
- reconhecer os mecanismos endógenos que associam a hipótese da programação fetal à ocorrência de DCNTs na idade adulta;
- discutir o manejo nutricional em crianças com condições adversas ao nascimento.