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REAÇÕES A MEDICAMENTOS

Beni Morgenstern

André Augusto Simões Manso

Antonio Carlos Pastorino

epub-BR-PROPED-C10V4_Artigo4

Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • conceituar a reação adversa a medicamentos (RAM);
  • elaborar uma história detalhada e temporal do início dos sintomas de RAM;
  • identificar as situações clínicas relacionadas à RAM e as medicações utilizadas;
  • descrever o tipo mais provável de reação relacionada a medicamentos;
  • solicitar os possíveis exames em caso de RAM, quando necessário;
  • prescrever as alternativas medicamentosas para minimizar os riscos;
  • determinar a necessidade de encaminhamento ao especialista.

Esquema conceitual

Introdução

A RAM é definida pela Organização Mundial da Saúde como “qualquer efeito não terapêutico decorrente do uso de um fármaco nas doses habitualmente empregadas para prevenção, diagnóstico ou tratamento de doenças”.1–3

Tais reações relacionadas a medicamentos são classificadas de forma mnemônica em seis tipos de acordo com seus mecanismos fisiopatológicos:1

 

  • A (augmented) — reações relacionadas à dose;
  • B (bizarre) — reações não relacionadas à dose;
  • C (chronic) — reações relacionadas aos efeitos a longo prazo/uso contínuo;
  • D (delayed) — reações com efeitos tardios (teratogênicos ou carcinogênicos);
  • E (end of use) — reações relacionadas a síndromes de abstinência;
  • F (failure) — falha terapêutica.

As reações do tipo A e B serão o foco da discussão deste capítulo. As reações do tipo A, por serem relacionadas aos efeitos diretos das medicações, são dose-dependentes e, portanto, consideradas previsíveis, podendo ocorrer em qualquer indivíduo (por exemplo, superdosagem, efeitos colaterais, interações medicamentosas). Já as reações do tipo B não podem ser preditas pelo mecanismo de ação do medicamento, mas dependem da suscetibilidade do paciente, sendo consideradas imprevisíveis e idiossincráticas, podendo ou não ter um mecanismo imunológico/alérgico.2

Do ponto de vista teórico, o termo alergia deve ser usado apenas nos casos em que haja comprovação de um mecanismo imunológico e, quando isso não ocorre, deve-se usar o termo hipersensibilidade a medicamento.2 Por outro lado, algumas publicações usam os dois termos de forma intercambiável, considerando que ambos refletem uma resposta imune anormal. Além disso, tais termos são usados de formas variadas na literatura médica sobre o tema.4

Hoje em dia, as reações de hipersensibilidade a medicamentos podem ser classificadas com base na sua cronologia, no mecanismo e/ou no fenótipo clínico. As reações imediatas são aquelas que ocorrem geralmente até 1 hora após a exposição ao medicamento (podendo ocorrer em até 6 horas), manifestando-se, em geral, como urticária, angioedema, broncoespasmo ou até anafilaxia, podendo ser IgE mediada ou não IgE mediada (exemplos de não IgE mediada: ativação direta de mastócitos, inibição de COX-1). Já as reações tardias aparecem após horas ou alguns dias (podendo levar semanas).4

Os fenótipos clínicos incluem exantemas benignos, reações adversas cutâneas graves (SCARs, do inglês, severe cutaneous adverse reactions) — síndrome de Stevens-Johnson (SSJ)/necrólise epidérmica tóxica (NET), reação ao medicamento com eosinofilia e sintomas sistêmicos (DRESS, do inglês, drug reaction with eosiniphilia and systemic symptoms) e pustulose exantemática generalizada aguda (PEGA) — e reações tardias órgão-específicas, como:4

 

  • citopenia;
  • lesão hepática;
  • nefrite intersticial;
  • vasculite.

Os mecanismos fisiopatológicos dos quadros cutâneos tardios provavelmente estão relacionados a células T medicamento-específicas (incluindo linfócitos do tipo Th1, Th2 ou T citotóxicas), podendo ser mediados por anticorpos (IgG) nas reações órgão-específicas.4

As manifestações das RAMs são variadas, mas, de forma muito frequente, envolvem manifestações cutâneas (sendo superada apenas pelos sintomas gastrintestinais na faixa etária pediátrica), podendo ser chamadas de farmacodermias. Vale ressaltar que a presença de febre ou outros sinais sistêmicos geralmente está relacionada a quadros de maior risco e gravidade.5

Uma possível abordagem clínica é baseada no tipo de lesão de pele (urticariforme, maculopapular, pustular ou vesicobolhosa), considerando a evolução cronológica do quadro. Avaliar o início das lesões, a sua evolução e a relação temporal com o uso de medicamentos permite não apenas estimar o tipo de hipersensibilidade/mecanismo patogênico envolvido, mas também direcionar a suspeita sobre quais medicamentos podem estar diretamente envolvidas naquela reação.3,5

A incidência de RAMs em crianças foi reportada em 15,1 a cada mil crianças que receberam algum medicamento.6 Estima-se que 10 a 15% dos pacientes que usam um medicamento desenvolvam alguma reação adversa. Os dados mais antigos mostravam que, entre esses, apenas a minoria (10–15%) estava relacionada a reações do tipo B,3 mas os dados mais recentes mostram que a frequência de reações de hipersensibilidade é maior, sendo considerada atualmente um problema de saúde pública.2

Dentro da população geral, até 10% são considerados alérgicos a alguma medicação, porém, destes, menos de 20% confirmam tal diagnóstico após avaliação e investigação adequada.7 As classes mais frequentemente associadas a RAMs são os antibióticos, os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e os anticonvulsivantes,5 sendo identificada hipersensibilidade/alergia aos betalactâmicos em até 8% da população e aos AINEs em até 2% da população.2

Vale ressaltar que, na faixa etária pediátrica, as farmacodermias podem mimetizar outras doenças cutâneas, como exantemas virais, sendo muitas vezes clinicamente indistinguíveis.5

Por fim, a maioria das RAMs terá evolução benigna e autolimitada, resolvendo-se com a suspensão do medicamento causador. Já, no caso das SCARs, embora raras, apresentam alta morbimortalidade relacionada.5

Dessa forma, é crucial uma investigação adequada visando não somente evitar reexposições inadvertidas a medicamentos potencialmente fatais, mas também desrotular e liberar o uso de medicações de primeira linha, melhorando o cuidado com os pacientes e otimizando o tratamento, os desfechos e os custos de saúde.5

1 — urticária/anafilaxia a AINEs

Paciente do sexo masculino, 12 anos de idade, vem ao pronto-socorro (PS) por quadro de febre de 39°C há 1 dia + dor de garganta importante, sem sintomas respiratórios. Está em uso de paracetamol de 6/6 horas sem controle álgico adequado e mantendo-se febril.

Mãe está receosa de usar dipirona, pois na última vez que utilizou essa medicação, há 1 ano, a criança apresentou edema ocular 2 horas após a ingestão. Desde então, tem usado apenas paracetamol quando precisou, sem reações.

Como chegou ao PS febril e queixando-se de muita dor, o paciente recebeu ibuprofeno na triagem (a enfermeira questionou o plantonista sobre qual medicação poderia administrar e este indicou ibuprofeno, devido à ausência de resposta satisfatória com paracetamol), evoluindo em 30 minutos com edema ocular, coceira pelo corpo e tosse.

Antecedentes pessoais: apresenta asma intermitente, sem uso de medicação contínua. Nega internações prévias. Desconhece alergias comprovadas a alimentos ou medicamentos.

O exame físico mostrou que o paciente estava (com):

 

  • regular estado geral;
  • corado;
  • hidratado;
  • febril;
  • dispneia leve;
  • ausculta cardíaca sem alterações;
  • ausculta pulmonar com sibilos expiratórios bilateralmente, com leve tiragem subdiafragmática;
  • abdome sem alterações;
  • extremidades com boa perfusão periférica, pulsos cheios, tempo de enchimento capilar menor que 3 segundos;
  • pele sem lesões evidentes, com edema ocular unilateral moderado;
  • orofaringe com tonsilas hiperemiadas e petéquias em palato, sem sinais de abscesso peritonsilar.

Sinais vitais:

 

  • temperatura: 38°C;
  • FC: 142bpm;
  • FR: 32ipm;
  • PA: 100x72mmHg;
  • saturação de oxigênio: 96% em ar ambiente.

Terapêutica do caso 1

A seguir, será apresentada a terapêutica utilizada no caso clínico 1.

Objetivos do tratamento do caso 1

São objetivos do tratamento do paciente do caso 1:

 

  • identificar quadro de reação aguda provavelmente relacionada ao ibuprofeno;
  • avaliar cuidadosamente se a reação apresenta manifestações sistêmicas compatíveis com anafilaxia e tratar de forma adequada;
  • manter tempo de observação adequado;
  • encaminhar para avaliação de especialista (alergista) pela provável hipersensibilidade a medicamento na alta;
  • orientar adequadamente quais medicações não devem ser utilizadas pelo paciente, considerando o risco de novas reações adversas até que seja possível a avaliação com especialista.

Condutas no caso 1

Inicialmente o médico de plantão fez a hipótese diagnóstica de tonsilite aguda + angioedema + broncoespasmo, sendo solicitada pesquisa rápida de Streptococcus pyogenes e prescritos antialérgico por VO (desloratadina 5mg) e broncodilatador inalatório (salbutamol quatro puffs, com espaçador), sendo orientada observação no PS por 1 a 2 horas.

Após 15 minutos, paciente evoluiu com placas urticariformes pelo corpo e tontura, sendo reavaliado precocemente. Ao exame clínico, além das lesões urticariformes pelo tronco, apresentou piora do desconforto respiratório e queda de PA para 82 x 54mmHg. Foi então realizada hipótese diagnóstica de anafilaxia, sendo realizada adrenalina intramuscular 0,01mg/kg, com boa resposta e melhora dos sintomas.

Depois da resolução da anafilaxia, permaneceu 6 horas em observação no PS, sem recorrência dos sintomas. Por conta do teste rápido positivo, foi prescrita amoxicilina 50mg/kg/dia por 10 dias. Na orientação de alta, foi indicada avaliação ambulatorial com alergista, bem como utilizada apenas prednisolona como analgésico/anti-inflamatório até que passasse em avaliação com especialista.

Acertos e erros no caso 1

A seguir, serão apresentados os acertos e erros no caso clínico 1, de acordo com cada intervenção.

Intervenção 1: prescrição de ibuprofeno na triagem

Considerando que a mãe/paciente negaram antecedentes comprovados de alergia a medicamentos, o plantonista possivelmente optou apenas por evitar o uso da dipirona (considerando tanto o receio inicial da mãe como a história relacionada somente a esse fármaco) e acabou por prescrever antitérmico alternativo. Provavelmente ele não deve ter considerado que tal hipersensibilidade fosse verdadeira ou mesmo desconhecesse o risco de reatividade cruzada entre os AINEs.

Hipersensibilidade ou não?

Os AINEs são um grupo de compostos quimicamente não relacionados com efeitos terapêuticos similares, amplamente utilizados na faixa etária pediátrica para controle analgésico e antitérmico, mas também podem ser utilizados pelas suas propriedades anti-inflamatórias.8

Os AINEs são extremamente seguros, no entanto, devido à sua ampla utilização, junto com os antibióticos, são as principais categorias de medicamentos envolvidas nas reações de hipersensibilidade.9

Na população geral, a prevalência de hipersensibilidade aos AINEs é estimada entre 0,5 e 5,7%.10 Aproximadamente um quarto dos pacientes com hipersensibilidade aos AINEs procura atendimento médico antes dos 18 anos de idade. Os estudos europeus estimam uma prevalência em torno de 10% para indivíduos entre 10 e 20 anos de idade, sendo significativamente menor em pacientes com menos de 10 anos.9

Assim como nos adultos, a anafilaxia relacionada aos AINEs pode ocorrer tanto em crianças como em adolescentes, podendo ser a primeira ou segunda causa de anafilaxia relacionada a medicamentos, dependendo da população estudada.8

As doenças atópicas são um fator de risco tanto para crianças como para adultos.10 Ao contrário dos adultos, na faixa etária pediátrica, não existe maior prevalência relacionada ao gênero. As principais medicações implicadas entre as crianças são o ibuprofeno e paracetamol e, em menor proporção, o metamizol (dipirona).8,9

Em todas as faixas etárias, a maioria das suspeitas de alergia a medicamentos é descartada após investigação adequada. Quando há confirmação, a maior probabilidade é de ser confirmada em adultos do que em crianças.8,9

Com os AINEs não é diferente, o que pode ser ilustrado por um estudo retrospectivo multicêntrico europeu recente envolvendo 693 crianças com história sugestiva de hipersensibilidade aos AINEs, nas quais a suspeita foi confirmada pelo teste de provocação em apenas 19,6% dos casos.11

Risco de reação cruzada?

As reações de hipersensibilidade aos AINEs podem ocorrer por mecanismos imunológicos ou não. Quando há mecanismo imunológico, esse pode ser IgE específico ou mediado por células T específicas. Nesses casos, os pacientes são considerados reatores seletivos, pois reagem a apenas um AINE ou grupo químico específico (Quadro 1).9,10

Quadro 1

CLASSIFICAÇÃO QUÍMICA DOS AINEs

Grupo químico

Medicamentos

Ácido salicílico

Ácido acetilsalicílico, sulfassalazina

Ácido acético carbo e heterocíclico

Indometacina, cetorolaco, etodolaco

Ácido propiônico

Ibuprofeno, cetoprofeno, naproxeno, flurbiprofeno

Ácido fenilacético

Diclofenaco

Derivados do ácido enólico — oxicans

Piroxicam, tenoxicam, meloxicam

Derivados do ácido enólico — pirazolonas

Dipirona

Ácido fenâmico

Ácido mefenâmico

Para-aminofenol

Paracetamol

Sulfonamida piridínica

Nimesulida

Naftil-alcanona

Nabumetona

Ácidos diaril-heterocíclicos (coxibes)

Celecoxibe, etoricoxibe, rofecoxibe

// Fonte: Adaptado de Aun e colaboradores (2022).10

As pirazolonas (dipirona) são o principal grupo relacionado às reações IgE mediadas, seguidas dos derivados do ácido propiônico (ibuprofeno, cetoprofeno). Já as reações não imunológicas estão relacionadas à inibição da enzima COX-1, podendo reagir com diferentes AINEs/grupos químicos, sendo por isso considerados intolerantes cruzados.9,10

A inibição da COX é o mecanismo de ação básico dos AINEs, pois, por meio desse bloqueio, ocorre redução na síntese das prostaglandinas inflamatórias. Dessa forma, o metabolismo do ácido araquidônico fica desviado para a via das lipoxigenases, com consequente aumento dos leucotrienos (Figura 1).9,10

FIGURA1: Via do ácido araquidônico e ação da cicloxigenase e lipoxigenase para a produção de prostaglandinas e leucotrienos. // Fonte: Adaptada de Wang e colaboradores (2021).12

O que ocorre em indivíduos suscetíveis com intolerância cruzada é que essa redução na síntese da prostaglandina E2 (PGE2), associada ao excesso de produção dos leucotrienos cisteínicos, resulta em extravasamento vascular, broncoconstrição, ativação de mastócitos e eosinófilos, com liberação de diversos mediadores e citocinas, levando a manifestações clínicas de hipersensibilidade.9,10

Existem duas isoformas da COX: a COX-1 é constitucional e expressa em muitos tipos de células, já a COX-2, por sua vez, é uma enzima induzível em casos de condições inflamatórias. Entende-se que os efeitos colaterais estejam relacionados à inibição da COX-1 (manifestações gastrintestinais, por exemplo), enquanto os efeitos terapêuticos correlacionam-se com a inibição da COX-2 (anti-inflamatório).9,10

Praticamente todos os AINEs inibem ambas as isoformas da COX, porém isso pode ocorrer de forma variável/com diferente seletividade entre a COX-1 e COX-2. Dessa forma, também é possível classificar os AINEs de acordo com sua ação/inibição das COXs (Quadro 2).9,10

Quadro 2

CLASSIFICAÇÃO DOS AINEs PELA POTÊNCIA DE INIBIÇÃO DAS CICLOXIGENASES

Inibição nas COXs

Medicamentos

Inibição total COX-1 e COX-2

Aspirina, ibuprofeno, cetoprofeno, cetorolaco, diclofenaco, indometacina, piroxicam, naproxeno

Inibição preferencial COX-2 e inibição parcial COX-1

Nimesulida, meloxicam

Fraca inibição de COX-1 e COX-2

Paracetamol

Inibição primária de COX-2 (pouca ação em COX-1)

Celecoxibe, etoricoxibe, rofecoxibe

// Fonte: Adaptado de Cavkaytar e colaboradores (2019).8

Na maioria dos casos (tanto de adultos como pediátricos), a hipersensibilidade aos AINEs é um efeito de classe, ou seja, a maioria dos pacientes é intolerante cruzado. Assim, muitas vezes, as crianças desenvolvem reações após tomarem medicamentos alternativos, como antipiréticos ou anti-inflamatórios,9 assim como no caso clínico 1.

Dessa forma, quando há suspeita de hipersensibilidade aos AINEs, além de ser imprescindível a confirmação de tal diagnóstico, deve-se ter cautela na prescrição de medicações alternativas, valorizando especialmente quais medicações a criança já utilizou com segurança, bem como deve-se ponderar risco-benefício ao testar novas possibilidades (assim como qual momento seria adequado tal teste, por exemplo, evitando testar na vigência de infecção).

Intervenção 2: hipótese inicial de angioedema + broncoespasmo/prescrição de antialérgico e broncodilatador/observação por 1–2 horas

Nesse primeiro momento, a prescrição foi realizada direcionada ao tratamento dos sintomas, utilizando-se antialérgico para o angioedema e broncodilatador para o broncoespasmo, mas não considerando a possibilidade de uma reação sistêmica.

Se tais manifestações viessem de forma isolada (apenas o angioedema ou apenas o broncoespasmo) ou de forma não simultânea, tal conduta estaria correta, desde que se mantivesse o paciente em observação por 1 a 2 horas. Tal período teria como objetivo avaliar se haveria boa resposta ao tratamento prescrito (por exemplo, melhora da sibilância/desconforto respiratório) ou mesmo se não apresentaria piora dos sintomas devido ao seu início recente — a chegada no PS (por exemplo, surgimento de outros sintomas, além de angioedema, progressão/piora do quadro).

Caso houvesse maior suspeição clínica, já seria possível sim levantar a hipótese diagnóstica de anafilaxia nesse primeiro momento. Apesar de talvez não ser tão evidente, desde a avaliação inicial, o paciente já preenchia os critérios diagnósticos (Quadro 3).13

No caso, o paciente apresentou início súbito de doença (nos 30 minutos após receber ibuprofeno) com envolvimento cutâneo (angioedema e prurido), associado a comprometimento respiratório (broncoespasmo).

Quadro 3

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DE ANAFILAXIA

Anafilaxia é altamente provável quando qualquer um dos dois critérios a seguir é preenchido:

  • início agudo de doença (minutos a algumas horas) com acometimento simultâneo de pele, mucosa ou ambos (p.ex., urticária generalizada, prurido ou vermelhidão, edema labial/língua/úvula) e ao menos um dos seguintes:
    • comprometimento respiratório (p.ex., dispneia, sibilância/broncoespasmo, estridor, redução de pico de fluxo expiratório, hipoxemia);
    • PA reduzida ou sintomas associados de disfunção de órgão-alvo (p.ex., hipotonia, síncope, incontinência);
    • sintomas gastrintestinais graves (forte dor abdominal em cólica, vômitos repetitivos), especialmente após a exposição a alérgenos não alimentares;
  • início agudo de hipotensão ou broncoespasmo ou envolvimento laríngeo após exposição a um alérgeno conhecido ou altamente provável para aquele paciente (minutos a algumas horas), mesmo na ausência do envolvimento cutâneo típico.

// Fonte: Adaptado de Cardona e colaboradores (2020).13

Essa dificuldade no diagnóstico é ressaltada no último guideline de anafilaxia da World Allergy Organization (WAO),13 no qual reforça-se que a anafilaxia pode ocorrer “sem a presença de características cutâneas típicas ou choque circulatório” e que tal apresentação é comum nos casos de anafilaxia fatal. A ausência de urticária e da hipotensão pode ter prejudicado o raciocínio clínico inicial no caso.

Intervenção 3: identificação posterior da anafilaxia/prescrição de adrenalina intramuscular

Após rápida progressão dos sintomas, o diagnóstico de anafilaxia tornou-se mais evidente, sendo corretamente identificado e tratado de forma adequada. Além dos sintomas cutâneos associados ao comprometimento respiratório (o qual se agravou), o paciente evoluiu com acometimento cardiovascular, evidenciado pela hipotensão.

Todas as outras possíveis medicações a serem utilizadas em quadros de anafilaxia são consideradas como segunda linha de tratamento e incluem anti-histamínicos, broncodilatadores e corticoides. O seu uso acaba tendo como objetivo auxiliar no controle de sintomas residuais que eventualmente a adrenalina não tenha tratado/aliviado. Ressalta-se que o seu uso nunca deve atrasar a administração da adrenalina.13

Vale ressaltar que a prescrição e a utilização de adrenalina em casos de anafilaxia ainda permanecem abaixo do ideal, tanto por pacientes/familiares como por profissionais de saúde.13,15 Apesar da sua subutilização, felizmente a anafilaxia fatal segue sendo um evento raro, levantando a possibilidade de que a resolução espontânea dos sintomas possa ocorrer mesmo sem o uso de tal medicamento.14,15

De toda forma, considerando que a anafilaxia apresenta um curso clínico heterogêneo e imprevisível (não sendo possível prever sua gravidade ou evolução ao início do quadro), o uso da adrenalina continua sendo a primeira linha de tratamento, devendo ser administrada assim que tal condição seja identificada.15

Intervenção 4: tempo de observação após tratamento da anafilaxia

Em geral, o tempo de observação após tratamento de anafilaxia sugerido pelos guidelines varia entre 4 e 8 horas. O objetivo desse período é monitorar uma possível reação bifásica.16,17

A reação bifásica é definida como uma recorrência dos sintomas alérgicos (ou mesmo surgimento de novos sintomas) depois da resolução do quadro inicial de anafilaxia (ficando assintomático por 1 hora ou mais), sem novo contato com agente causador. No entanto, tal reação pode surgir até 72 horas após o quadro inicial.16,17

Inicialmente acreditava-se que tal reação bifásica pudesse ocorrer em até 20% dos casos, mas os dados mais atuais sugerem incidência entre 4 e 5%.14,16,17 Os estudos prévios demonstraram um bom valor preditivo negativo (98,3%) para períodos de observação entre 6 e 12 horas, sendo que as observações mais longas não são custo-efetivas.16

Alguns fatores preditores foram correlacionados com risco significativo de reação bifásica, sendo os mais importantes:14,16,17

 

  • tempo até a primeira dose de adrenalina;
  • antecedente pessoal de anafilaxia;
  • gravidade dos sintomas (especialmente hipotensão e comprometimento respiratório);
  • número de doses de adrenalina necessárias;
  • desencadeante desconhecido.

Dessa forma, fica claro que não há um período bem determinado para dispensar o paciente após um episódio de anafilaxia. Considerando que os sinais e sintomas podem reaparecer conforme a adrenalina é metabolizada, é prudente observar todos os pacientes por pelo menos 3 a 4 horas no PS após a administração de adrenalina.18

Os fatores preditores mencionados não devem servir como um critério de observação prolongada, mas talvez sejam úteis para auxiliar na estratificação de quem poderia ser liberado com menor tempo de observação. Além disso, é imprescindível considerar, ao determinar o tempo de observação, os fatores importantes, como:16,17

 

  • capacidade de o paciente identificar uma possível reação bifásica;
  • disponibilidade de adrenalina autoinjetável;
  • distância entre o paciente até o serviço hospitalar mais próximo.
Intervenção 5: encaminhamento para alergista/utilizar apenas prednisolona como analgésico/anti-inflamatório até avaliação com especialista

Nesse caso, não há dúvida que tal paciente deveria ser encaminhado para avaliação com alergista, não somente pela suspeita de reação de hipersensibilidade a medicamento, mas certamente pelo episódio de anafilaxia.4,13

De forma geral, após a confirmação de uma hipersensibilidade a AINEs, deve-se tentar classificar se o paciente é um reator seletivo ou intolerante cruzado. A partir dessa classificação, deve-se procurar alternativas seguras para aquele paciente.9

Em casos de alergia IgE mediada (reatores seletivos), geralmente apenas o grupo químico deve ser excluído, podendo-se fazer uso de outros AINEs após confirmada sua segurança. Nos casos relacionados à inibição da COX-1 (intolerantes cruzados), a maioria das crianças tolera bem o paracetamol (fraco inibidor COX-1) e a nimesulida/meloxicam (inibidores preferenciais da COX-2), sendo seguros e eficazes em mais de 80% dos pacientes pediátricos.19

Os inibidores seletivos de COX-2, apesar de bem seguros, só estão aprovados no Brasil para pacientes maiores de 18 anos. O seu uso pode ser considerado de forma off-label para pacientes que apresentarem reação com paracetamol/nimesulida/meloxicam.19

Assim, a recomendação de utilizar apenas o corticoide como anti-inflamatório no caso clínico 1 deixa evidente um grande receio de outras possíveis reações com analgésicos/antipiréticos, preocupação essa muito válida e verdadeira. Para essa criança com possível reação prévia à dipirona e anafilaxia com ibuprofeno, levanta-se uma forte suspeita de se tratar de um caso de intolerância cruzada, compatível com a maior parte dos casos de hipersensibilidade aos AINEs.9,19

A suspeita de intolerância cruzada só será confirmada após avaliação com alergista e possivelmente testes de provocação, considerados o padrão-ouro, visando não apenas confirmar o fenótipo clínico (reator seletivo versus intolerante cruzado), como também testar alternativas seguras, o que pode demandar mais de um teste (geralmente podendo chegar em 3 a 4 testes).8,9,19

Cabe ressaltar que, especificamente nesse caso, a criança já vinha usando paracetamol sem qualquer reação, o que já demonstrava a segurança do seu uso para esse paciente, podendo o uso dessa medicação ser mantido antes mesmo da avaliação com especialista. Tal fato vem em concordância com a literatura, que mostra que o paracetamol costuma ser bem tolerado em crianças, mesmo as que apresentam intolerância cruzada.9,10

Caso tal medicação não fosse tolerada ou ainda não tivesse sido testada, as alternativas para controle da febre poderiam incluir medidas físicas, otimização da hidratação e possivelmente uso do corticoide. Para o controle da inflamação, estaria indicado o corticoide. Para a analgesia, poderia se ponderar o uso de terapias não farmacológicas, além da possibilidade de outras categorias de analgésicos, como anestésicos locais e/ou opiáceos.9

Evolução do paciente do caso 1

O paciente passou em consulta com alergista logo na semana seguinte ao episódio agudo. O especialista confirmou a hipótese de anafilaxia + hipersensibilidade a AINEs.

Como as reações foram desencadeadas por dois AINEs quimicamente distintos, mas com ação farmacológica semelhante, entendeu-se que o provável mecanismo de hipersensibilidade estava relacionado à inibição de COX-1, um tipo de reação para a qual não existem exames laboratoriais disponíveis, assim como não há indicação da realização de testes cutâneos.

Dessa forma, o paciente foi orientado a evitar outros anti-inflamatórios com forte inibição de COX-1 (por exemplo, cetoprofeno, cetorolaco, ácido acetilsalicílico, entre outros). Como já vinha usando paracetamol sem reação (fraco inibidor da COX-1), tal medicação foi liberada para uso com segurança, sem a necessidade de teste de provocação.

Foi sinalizado que, caso houvesse desejo ou necessidade de outros AINEs, seria possível testar outras medicações com fraca inibição de COX-1, como nimesulida ou meloxicam, mas que tal liberação só seria possível após realização de teste de provocação. Por fim, foi sugerido que, em casos excepcionais, quando apenas o paracetamol não controlasse a inflamação, poderia ser utilizado corticoide sistêmico, como prednisolona/prednisona.

A Tabela 1 apresenta os principais AINEs do mercado brasileiro, com doses e idade de liberação.

Tabela 1

PRINCIPAIS MEDICAÇÕES UTILIZADAS COMO ANALGÉSICOS/ANTITÉRMICOS/AINEs NO MERCADO BRASILEIRO, IDADE LICENCIADA E DOSES VIA ORAL*

Princípio ativo

Pode ser usada a partir de qual idade

Doses licenciadas (VO)

Paracetamol

Desde o nascimento

10–15mg/kg/dose, até de 4/4 horas

(dose máxima 500–750mg)

Dipirona

>3 meses

10–25mg/kg/dose, até de 6/6 horas

(dose máxima 1.000mg)

Ibuprofeno

>6 meses

5–10mg/kg/dose, até de 6/6 horas

(dose máxima 600mg)

Nimesulida

>12 anos

2,5mg/kg/dose, até de 12/12 horas

(dose máxima 200mg)

Meloxicam

>12 anos

0,25mg/kg/dose, 1x/dia

(dose máxima 15mg)

Cetoprofeno

>1 ano

1mg/kg/dose, até de 6/6 horas

(dose máxima 50mg)

Diclofenaco

>18 anos

>14 anos (apresentação em gotas)

0,5–2mg/kg/dia, divididos em 2–3 doses

(dose máxima 150mg/dia)

Naproxeno

>12 anos

250mg, 1–2x/dia

(dose máxima 500mg/dia)

Cetorolaco

>16 anos

0,5–1,0mg/kg até 10mg, cada 6–8 horas

(dose máxima 60mg/dia)

Celecoxibe

>18 anos

100–200mg, 1–2x/dia

(dose máxima 400mg/dia)

Etoricoxibe

>18 anos

60–90mg/dia

(dose máxima 90mg/dia)

* Nomes genéricos, idade de uso liberada em bula das medicações disponíveis no mercado brasileiro. // Fonte: Adaptada de Consulta Remédios (2023).20

ATIVIDADES

1. Em relação às diferentes manifestações/fenótipos clínicos das RAMs, assinale V (verdadeiro) ou F (falso) nas afirmativas a seguir.

É possível classificá-las de acordo com a temporalidade, sendo consideradas reações imediatas aquelas que ocorrem em até 6 horas após a exposição ao fármaco e tardias aquelas que se manifestam após mais de 6 horas ou mesmo após alguns dias ou semanas.

Nas farmacodermias, uma possível abordagem clínica pode ser realizada a partir da avaliação da lesão cutânea elementar (urticariforme, maculopapular, pustular ou vesicobolhosa); a partir da avaliação da lesão inicial, da sua evolução e da relação temporal com o uso de medicamentos, é possível estimar o tipo de hipersensibilidade e direcionar a suspeita de qual/quais fármacos possam estar envolvidos.

As RAMs, em geral, são previsíveis e facilmente preveníveis, pois são dose-dependentes. Além disso, sempre é possível identificar o mecanismo imunológico relacionado.

São consideradas farmacodermias apenas os quadros de SSJ/NET, DRESS e PEGA.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

A) V — V — F — F

B) F — V — V — F

C) V — F — F — V

D) F — F — V — V

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "A".


Apesar de a maioria das RAMs imediatas surgir geralmente em até 1 hora após o contato com o fármaco, algumas podem levar um pouco mais de tempo, sendo por essa razão utilizado o corte de 6 horas. Apenas as RAMs do tipo A são previsíveis/dose-dependentes, o que não ocorre com as reações do tipo B. Somente nos quadros verdadeiramente alérgicos é possível identificar o mecanismo imunológico. Por fim, existem outras farmacodermias, como exantema maculopapular ou urticária. Os quadros mencionados referem-se às RAMs graves.

Resposta correta.


Apesar de a maioria das RAMs imediatas surgir geralmente em até 1 hora após o contato com o fármaco, algumas podem levar um pouco mais de tempo, sendo por essa razão utilizado o corte de 6 horas. Apenas as RAMs do tipo A são previsíveis/dose-dependentes, o que não ocorre com as reações do tipo B. Somente nos quadros verdadeiramente alérgicos é possível identificar o mecanismo imunológico. Por fim, existem outras farmacodermias, como exantema maculopapular ou urticária. Os quadros mencionados referem-se às RAMs graves.

A alternativa correta e a "A".


Apesar de a maioria das RAMs imediatas surgir geralmente em até 1 hora após o contato com o fármaco, algumas podem levar um pouco mais de tempo, sendo por essa razão utilizado o corte de 6 horas. Apenas as RAMs do tipo A são previsíveis/dose-dependentes, o que não ocorre com as reações do tipo B. Somente nos quadros verdadeiramente alérgicos é possível identificar o mecanismo imunológico. Por fim, existem outras farmacodermias, como exantema maculopapular ou urticária. Os quadros mencionados referem-se às RAMs graves.

2. Como devem ser classificados os pacientes com hipersensibilidade aos AINEs visando diferenciar aqueles que reagem com apenas um grupo químico de AINEs versus aqueles que reagem com diferentes medicamentos?

Confira aqui a resposta

Após a confirmação de uma hipersensibilidade a AINEs, deve-se tentar classificar se o paciente é um reator seletivo ou intolerante cruzado. A partir dessa classificação, é possível direcionar quais alternativas seguras devem ser testadas para determinado paciente.

Resposta correta.


Após a confirmação de uma hipersensibilidade a AINEs, deve-se tentar classificar se o paciente é um reator seletivo ou intolerante cruzado. A partir dessa classificação, é possível direcionar quais alternativas seguras devem ser testadas para determinado paciente.

Após a confirmação de uma hipersensibilidade a AINEs, deve-se tentar classificar se o paciente é um reator seletivo ou intolerante cruzado. A partir dessa classificação, é possível direcionar quais alternativas seguras devem ser testadas para determinado paciente.

3. Leia as afirmativas a seguir sobre as reações relacionadas a medicamentos.

I. A RAM é qualquer efeito não terapêutico decorrente do uso de um fármaco nas doses habitualmente empregadas para prevenção, diagnóstico ou tratamento de doenças.

II. As reações do tipo A não podem ser preditas pelo mecanismo de ação do medicamento, mas dependem da suscetibilidade do paciente, sendo consideradas imprevisíveis e idiossincráticas, podendo ou não ter um mecanismo imunológico/alérgico.

III. O termo alergia deve ser usado apenas nos casos em que haja comprovação de um mecanismo imunológico e, quando isso não ocorre, deve-se usar o termo hipersensibilidade a medicamento.

IV. Os mecanismos fisiopatológicos dos quadros cutâneos tardios provavelmente estão relacionados a células T medicamento-específicas (incluindo linfócitos do tipo Th1, Th2 ou T citotóxicas), podendo ser mediados por anticorpos (IgG) nas reações órgão-específicas.

Quais estão corretas?

A) Apenas a I, a II e a III.

B) Apenas a I, a II e a IV.

C) Apenas a I, a III e a IV.

D) Apenas a II, a III e a IV.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "C".


As reações do tipo A, por serem relacionadas aos efeitos diretos das medicações, são dose-dependentes e, portanto, consideradas previsíveis, podendo ocorrer em qualquer indivíduo (por exemplo, superdosagem, efeitos colaterais, interações medicamentosas). Já as reações do tipo B não podem ser preditas pelo mecanismo de ação do medicamento, mas dependem da suscetibilidade do paciente, sendo consideradas imprevisíveis e idiossincráticas, podendo ou não ter um mecanismo imunológico/alérgico.

Resposta correta.


As reações do tipo A, por serem relacionadas aos efeitos diretos das medicações, são dose-dependentes e, portanto, consideradas previsíveis, podendo ocorrer em qualquer indivíduo (por exemplo, superdosagem, efeitos colaterais, interações medicamentosas). Já as reações do tipo B não podem ser preditas pelo mecanismo de ação do medicamento, mas dependem da suscetibilidade do paciente, sendo consideradas imprevisíveis e idiossincráticas, podendo ou não ter um mecanismo imunológico/alérgico.

A alternativa correta e a "C".


As reações do tipo A, por serem relacionadas aos efeitos diretos das medicações, são dose-dependentes e, portanto, consideradas previsíveis, podendo ocorrer em qualquer indivíduo (por exemplo, superdosagem, efeitos colaterais, interações medicamentosas). Já as reações do tipo B não podem ser preditas pelo mecanismo de ação do medicamento, mas dependem da suscetibilidade do paciente, sendo consideradas imprevisíveis e idiossincráticas, podendo ou não ter um mecanismo imunológico/alérgico.

4. Quais são as principais categorias de medicamentos envolvidas nas reações de hipersensibilidade?

A) Antibióticos e AINEs.

B) Anticonvulsivantes e hormônios.

C) Opioides e antiagregantes.

D) Imunobiológicos e antiarrítmicos.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "A".


Antibióticos e AINEs são as principais categorias de medicamentos envolvidas nas reações de hipersensibilidade, sendo identificada alergia aos betalactâmicos em até 8% da população e aos AINEs em até 2% da população. Vale ressaltar que ambas as categorias são extremamente seguras, e essas taxas relevantes de hipersensibilidade provavelmente estão relacionadas à sua ampla utilização.

Resposta correta.


Antibióticos e AINEs são as principais categorias de medicamentos envolvidas nas reações de hipersensibilidade, sendo identificada alergia aos betalactâmicos em até 8% da população e aos AINEs em até 2% da população. Vale ressaltar que ambas as categorias são extremamente seguras, e essas taxas relevantes de hipersensibilidade provavelmente estão relacionadas à sua ampla utilização.

A alternativa correta e a "A".


Antibióticos e AINEs são as principais categorias de medicamentos envolvidas nas reações de hipersensibilidade, sendo identificada alergia aos betalactâmicos em até 8% da população e aos AINEs em até 2% da população. Vale ressaltar que ambas as categorias são extremamente seguras, e essas taxas relevantes de hipersensibilidade provavelmente estão relacionadas à sua ampla utilização.

2 — exantema maculopapular a betalactâmico

Paciente do sexo feminino, 6 anos de idade, previamente hígida, está em tratamento de pneumonia adquirida na comunidade (PAC) não complicada, confirmada por exame físico e radiografia de tórax, atualmente no quinto dia de uso de amoxicilina com dose de 45mg/kg/dia. Paciente apresentou excelente evolução clínica logo após 24 horas do antibiótico, ficando afebril, normopneica e recobrando seu estado geral.

Paciente retornou, pois os pais notaram o surgimento de pequenas manchinhas vermelhas, que começaram no tronco e progrediram para todo o corpo, não pruriginosas, sem edema associado, iniciadas há pouco mais de 1 dia. O familiar, preocupado com uma possível reação alérgica, retornou imediatamente ao consultório.

O responsável disse não entender o motivo desse quadro, afinal a paciente já usou amoxicilina antes sem nenhuma intercorrência. Também refere que a paciente segue bem, ativa, sem febre e em evidente melhora da pneumonia. Antecedentes pessoais: criança previamente hígida, sem internações anteriores. Desconhece alergias e não usa medicação contínua.

O exame físico mostrou que a paciente estava (com):

 

  • bom estado geral;
  • corada;
  • hidratada;
  • afebril;
  • eupneica;
  • ausculta cardíaca e pulmonar sem alterações, sem estridor ou desconforto respiratório;
  • abdome sem visceromegalias ou demais alterações;
  • extremidades com boa perfusão periférica, pulsos cheios, tempo de enchimento capilar menor que 3 segundos;
  • pele com exantema maculopapular, não pruriginoso, que desaparece à digitopressão, com distribuição difusa, principalmente em tórax e face, sem edema associado;
  • não apresenta linfonodomegalia em nenhuma das cadeias palpáveis.

Sinais vitais:

 

  • FC: 92bpm;
  • FR: 20ipm;
  • PA: 88x64mmHg;
  • saturação de oxigênio: 98% em ar ambiente.

Terapêutica do caso 2

A seguir, será apresentada a terapêutica utilizada no caso clínico 2.

Objetivos do tratamento do caso 2

São objetivos do tratamento da paciente do caso clínico 2:

 

  • identificar as possíveis causas para esse exantema;
  • definir a melhor estratégia terapêutica para o tratamento da PAC, diante da possibilidade de reação alérgica ao antibiótico;
  • orientar o melhor tratamento para alívio dos sintomas do exantema;
  • definir o plano terapêutico ambulatorial após esse episódio;
  • encaminhar ao especialista quando necessário.

Condutas no caso 2

Após a avaliação médica, foi feita a hipótese de reação cutânea leve ao antibiótico ou de exantema de origem infecciosa. Optou-se pela prescrição de hidroxizina por 7 dias e prednisolona (2mg/kg/dia) por 3 dias. Também optou-se por suspender a amoxicilina, iniciar um novo tratamento com azitromicina e coletar hemograma, PCR, TGO (AST), TGP (ALT), além de sorologia para mononucleose e similares.

Com receio de possíveis novas reações alérgicas, o médico titular optou por suspender o uso de qualquer antibiótico betalactâmico até a avaliação com um especialista, indicando antibióticos de outras classes.

Acertos e erros no caso 2

A seguir, serão apresentados os acertos e erros no caso clínico 2, de acordo com cada intervenção.

Intervenção 1: hipótese diagnóstica e investigação

Diante do caso e pelas características das lesões cutâneas, não é possível, nesse momento, determinar a real etiologia. A abordagem ampla, considerando quadros alérgicos e infecciosos, foi assertiva.

As doenças infecciosas — como as mono-like, enteroviroses, adenovírus, entre outras — podem apresentar manifestações cutâneas como as descritas. Contudo, não é possível descartar reações alérgicas tardias a medicamentos, em especial, na população pediátrica e durante o uso de um antibiótico betalactâmico.

O exame físico criterioso — afastando lesões descamativas/bolhosas de pele ou mucosa e sintomas sistêmicos — e a investigação laboratorial para diagnóstico diferencial são bem-vindos.4

Vale ressaltar que, para esse tipo de reação alérgica, os exames complementares trazem poucos dados adicionais, porém podem auxiliar os diagnósticos diferenciais, sempre se atentando ao momento da coleta, em especial, para as sorologias pelo risco de falso-negativos.4 No caso em questão, postergar a coleta sanguínea por 10 a 14 dias aumentaria a sensibilidade das sorologias.

Intervenção 2: tratamento prescrito

Quando se fala de RAM, os exantemas tardios são causados por reações de hipersensibilidade celular, não tendo a histamina como mediador celular importante.

Como o paciente não apresentava prurido ou sinais de urticária/angioedema, o uso de anti-histamínicos é dispensável, em especial, os de primeira geração, como a hidroxizina, que são menos efetivos e atrapalham o sono e o rendimento escolar dos pacientes, sendo indicado substituí-los pelos de segunda geração, quando necessário.

Quanto ao corticoide, o uso não é indicado, pois trata-se de uma manifestação benigna. Cabe lembrar que o seu uso em quadros de pneumonia está associado a maior número de complicações, sem contar os efeitos metabólicos de curto e longo prazos.

Intervenção 3: mudança do antibiótico

A opção de mudar o antibiótico por outro de classe diferente teve como objetivos a segurança e o efetivo tratamento. Contudo, em vez de mudar a classe, o médico teria a opção de manter o antibiótico inicial até o fim do tratamento ou então prescrever uma cefalosporina no lugar da amoxicilina.

Vale lembrar que as mudanças de antibióticos podem aumentar o risco de resistência bacteriana, de efeitos adversos e de custos para a família.

Uma vez estabelecido que não se trata de nenhuma farmacodermia grave, a escolha por manter ou trocar o antibiótico deve considerar o tempo de término do tratamento e o impacto dos sintomas. No caso atual, como a paciente estava em boa evolução e o tratamento muito próximo ao fim, poderia ter sido mantido o antibiótico até a última dose prescrita, acompanhando de perto as possíveis reações.21

Outra opção seria então suspender no quinto dia, uma vez que a literatura já suporta o uso curto de antibiótico em crianças sem complicações.21 Caso se optasse por manter o tratamento até 7 dias e continuar o uso na mesma família de betalactâmicos, por se tratar de uma reação tardia leve, poderia ter sido prescrita uma cefalosporina de segunda geração até o fim, uma vez que as reações cruzadas entre esses antibióticos são mais raras.

Intervenção 4: seguimento ambulatorial

Todo paciente com suspeita de alergia a medicamentos deve ser encaminhado ao especialista para investigação. A grande maioria das reações atribuídas aos fármacos pode ser explicada, após avaliação criteriosa, por outros mecanismos não alérgicos ou da própria doença.

Portanto, a confirmação ou não da alergia e a determinação da melhor e mais segura alternativa terapêutica são fundamentais para diminuir os impactos na vida do paciente, para realizar o correto seguimento ambulatorial e para determinar o melhor momento de testar a tolerância da alergia. A exemplo dos betalactâmicos, os pacientes verdadeiramente alérgicos têm mais de 90% de chance de não ter mais reação após 10 anos do caso-índice.22

Evolução da paciente do caso 2

Após a mudança do antibiótico e o início das medicações, a paciente manteve o quadro por mais 3 dias, quando efetivamente sumiram as lesões. Os exames laboratoriais não mostraram sinais de alterações em hemácias, leucócitos ou plaquetas, PCR abaixo do valor de referência, enzimas hepáticas normais e sorologias negativas para quadros agudos. No quarto dia de azitromicina, a paciente apresentou desconforto gástrico, optando-se por suspender o antibiótico, tendo resolução dos sintomas.