Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- descrever um panorama geral sobre a situação de saúde mental dos universitários, destacando os fatores de risco associados ao período desenvolvimental e ao ambiente da universidade;
- discutir questões teóricas relativas às características individuais que poderiam estar contribuindo para o adoecimento mental dos universitários;
- sistematizar as contribuições da terapia cognitivo-comportamental (TCC) para a compreensão desse fenômeno no que se refere ao padrão de pensamento, emoção e comportamento associado ao adoecimento mental;
- resumir as contribuições das TCCs para o desenvolvimento de estratégias de promoção e de prevenção em saúde aplicadas ao contexto universitário.
Esquema conceitual
Introdução
Pesquisas apontam que universitários de vários continentes apresentam uma prevalência de transtornos mentais acima da média da população geral.1,2 Desde a segunda metade da primeira década do século XXI, esse cenário tem sido chamado de crise de saúde mental no campus.3
Dados iniciais levantados pela iniciativa World Mental Health International College Student (WMH‐ICS), organizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), indicam a alta prevalência de transtornos mentais entre universitários de vários países — Austrália, Bélgica, Alemanha, México, Irlanda do Norte, África do Sul, Espanha e Estados Unidos. Dois dos fatores de risco encontrados foram ser do sexo feminino e identificar-se como de sexualidade não heterossexual.2
De forma semelhante, o Centro de Saúde Mental Acadêmica (em inglês, Center for Collegiate Mental Health [CCMH]), uma rede de prática e de pesquisa em saúde universitária nos Estados Unidos, publicou, em 2018, um relatório chamando a atenção para indicadores de intensificação da crise de saúde mental entre universitários. No período estudado, entre 2009 e 2015, a procura por serviços em centros de aconselhamento aumentou 29% entre a população de estudantes universitários, mais de cinco vezes superior à taxa de matrículas, que aumentou 5,6% nas mesmas instituições.4
Também de acordo com o relatório, três categorias de queixas, relatadas pelos próprios estudantes, cresceram consistentemente em comparação a outras com padrões estáveis ou decrescentes, sendo elas a depressão, a ansiedade e a ansiedade social.5
Ainda, outro relatório, da Associação para Diretores de Centros de Aconselhamento de Universidades e Colégios (Association for University and College Counseling Center Directors [AUCCCD]) — uma organização internacional com instituições de vários países, incluindo Estados Unidos, Armênia, Austrália, China, República Dominicana, França e Omã —, com dados de 2015 e 2016, reportou que a ansiedade e a depressão continuam a ser as principais preocupações entre os estudantes universitários.5
Estudos apontam para um cenário semelhante de crise de saúde mental no campus no Brasil, embora o fenômeno seja ainda pouco pesquisado em toda a sua complexidade.6,7 Em uma metanálise, em que foram investigados problemas de saúde mental entre estudantes de medicina, encontrou-se prevalência de depressão e de ansiedade — respectivamente 30,6% e 32,9% — similar à prevalência encontrada em outros países.7 Tais autores também encontraram prevalência de 31,5% de transtornos mentais comuns nessa população. E, em comparação entre estudantes de medicina do Brasil e dos Estados Unidos, os brasileiros apresentaram níveis mais altos de depressão, estresse e exaustão e pior qualidade de vida e bem-estar.6
Por que os quadros e sintomas associados ao sofrimento mental parecem ter elevada prevalência em estudantes universitários? Para tentar explicar esse fenômeno, é preciso recorrer a fatores associados à fase de desenvolvimento predominante na transição para a universidade e a fatores próprios do ambiente universitário.8
A transição para a universidade coincide, para a maioria dos casos, com um período crítico do desenvolvimento marcado pela necessidade de individuação, de autonomia e de responsabilidade, aliado a uma taxa acelerada de maturação do cérebro e maior sensibilidade ao aparecimento de transtornos mentais.8 Esse período que, de forma geral, se estende dos 18 aos 25 anos, tem sido chamado de adultez emergente.9