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TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA NA CRIANÇA: ESTRATÉGIA DE AVALIAÇÃO E MANEJO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

Autores: Verônica de Azevedo Mazza, Gisele Weissheimer Kaufmann, Victoria Beatriz Trevisan Nóbrega Martins Ruthes , Cibelly Aliny Siqueira Lima Freitas, Neila Santini de Souza, Eliane Tatsch Neves, Ana Élida Nogueira Souza
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Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • reconhecer a importância do diagnóstico do transtorno do espectro autista (TEA);
  • descrever a estimulação precoce na avaliação da criança no contexto da Atenção Primária à Saúde (APS);
  • identificar as características do TEA;
  • analisar as políticas públicas de atenção à saúde da criança com TEA;
  • conhecer os instrumentos de rastreio dos sinais de alerta para os marcos do desenvolvimento infantil, para avaliação da criança no contexto da consulta de puericultura.

Esquema conceitual

Introdução

O TEA é considerado uma desordem do neurodesenvolvimento caracterizada por prejuízo na comunicação e interação social, comportamentos repetitivos e estereotipados e um repertório restrito de interesses e atividades.1 Alterações no desenvolvimento também são características marcantes do autismo, podendo ser identificadas nos 3 primeiros anos de vida e permanecer na fase adulta.2

Estudos epidemiológicos mostram aumento de 1 a 2% na prevalência do TEA ao longo dos últimos anos. Há, ainda, poucos estudos epidemiológicos no Brasil, porém, o estudo mais recente indica que a taxa de incidência de TEA é de 27,2 casos em cada 10 mil pessoas. A detecção dos casos ocorre principalmente após o segundo ano de vida do bebê, e, dependendo da severidade do transtorno, pode ser identificado em até 12 meses ou após 2 anos.3

Estimativa de estudo internacional demonstra que, a cada 36 crianças de 8 anos, uma apresenta o TEA — e os meninos têm de quatro a cinco vezes maior probabilidade de estar no espectro do que as meninas. De acordo com levantamento realizado em 2018, a proporção seria de quatro meninos para uma menina.4 Todavia, apesar de a percentagem de pessoas com autismo do sexo feminino ser menor do que a masculina, os efeitos do TEA em meninas, em determinadas situações, são muito mais severos do que em meninos.

As estimativas globais da Organização Mundial da Saúde (OMS)5 indicam que em torno de 1 a cada 270 pessoas tem TEA. Assim também, a OMS destaca que, em decorrência da demasiada subnotificação presente em países subdesenvolvidos, que não informam a incidência e a prevalência de TEA, as taxas podem ser mais elevadas do que se estima. Outro estudo aponta que aproximadamente 1 em cada 100 crianças são diagnosticadas com TEA ao redor do mundo.6 Estudos realizados no Reino Unido estimam que cerca de 1% dos adultos jamais receberão um diagnóstico formal do TEA ao longo de toda a vida.7

A frequência do TEA na população varia entre meninos e meninas, contudo, um estudo desenvolvido por Baio e colaboradores,8 identificou que indivíduos do sexo masculino têm quatro vezes mais chances de desenvolver o TEA. Todavia, apesar de a porcentagem de pessoas com autismo do sexo feminino ser menor do que a masculina, os efeitos do transtorno em meninas, em determinadas situações, são muito mais graves do que em meninos.

Com relação à sintomatologia por gênero, 45% dos meninos apresentam comportamentos repetitivos e estereotipados e 25% das meninas apresentam dificuldade sociocomunicativa. Sobre as representações sociais e estereótipos de gênero, a relação com o TEA e a influência no subdiagnóstico de mulheres com autismo, percebe-se que algumas características inerentes ao autismo também estão associadas a meninas, podendo camuflar sintomas e, consequentemente, levar ao subdiagnóstico.9

Nesse contexto, estão inseridas as discussões sobre a teoria da poda neural na infância, pela qual é possível explicar que algum erro genético possa ocorrer na pessoa com TEA, pois este processo apresenta menor eliminação neural e sináptica, causando um congestionamento dessas estruturas e, consequentemente, de informações, comprometendo habilidades já conquistadas e a aquisição de novas habilidades. Isso justifica o aumento do perímetro cerebral da pessoa com TEA quando criança, bem como o TEA regressivo.10–12

No TEA regressivo, a criança apresenta desenvolvimento típico até por volta dos 2 ou 3 anos de idade e, após essa fase, perde habilidades sociais e motoras conquistadas em consequência da manutenção de estruturas neurológicas que deveriam ser eliminadas, causando a desorganização do sistema. Com a manutenção de estruturas neurológicas que deveriam desaparecer, as funções de cada grupo de neurônios se encontram desbalanceadas, com hiperfuncionamento ou hipofuncionamento, dependendo da ação a ser realizada e do interesse depositado. Essa desorganização neural afetará a realização das tarefas cotidianas e a elaboração das respostas para as demandas sociais.10–12

Entende-se, assim, a importância em realizar estudos sobre a pessoa com TEA, pois as evidências científicas apontam possíveis diferenças nos fatores etiológicos subjacentes, que são percebidas como determinantes para subsidiar as lacunas referentes ao aumento na prevalência de TEA em diferentes populações, bem como em relação às tendências temporais.6 Ademais, o esclarecimento dos potenciais fatores de risco foi expandido pelo desenvolvimento do conhecimento sobre a temática e de novos estudos genéticos.

Esse é um grande passo para melhorar o prognóstico das pessoas com autismo, pois um diagnóstico precoce pode repercutir no início do tratamento e acompanhamento precoce. Esses achados sugerem disparidades no acesso à identificação e aos serviços voltados às pessoas com TEA e suas famílias.13

Para melhorar a sensibilidade e menor idade de diagnóstico do TEA, a American Academy of Pediatrics (AAP) recomendou a triagem do TEA na faixa etária entre 18 e 24 meses. A vigilância do desenvolvimento infantil implica acompanhamento e observação dos sinais de alerta para o TEA.14

A identificação precoce do TEA permite o acesso das crianças a intervenções específicas que melhoram os resultados em longo prazo. Portanto, é recomendada a triagem universal para autismo em crianças pequenas, mas não se tem conhecimento como essa triagem ocorre, quais fatores estão associados e como tem sido o desempenho dos instrumentos comumente utilizados em cenários reais de cuidado, como a APS.14

No Brasil, em 2017, foi sancionada a Lei nº 13.438,15 que determina a adoção pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de um protocolo que estabeleça padrões para a avaliação de risco para o desenvolvimento psíquico de crianças, visando facilitar a detecção em consulta pediátrica de acompanhamento da criança.16 Além disso, aprimorar o uso dos testes de triagem na APS se faz necessário pela importância da detecção de qualquer tipo de alteração no desenvolvimento infantil, visto que a APS é a porta de entrada, devendo atentar para as necessidades de saúde das famílias.

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