- Introdução
Já é fato conhecido globalmente que uma das grandes conquistas deste século foi a redução da mortalidade em todas as faixas etárias. Para o Brasil como um todo, a esperança de vida ao nascer apresentou ganhos de cerca de 30 anos entre 1940 e 1998 como resultado, principalmente, da queda da mortalidade infantil. Os ganhos foram para ambos os sexos, mas mais expressivos entre as mulheres.1
Sem dúvidas, as vacinas contribuíram substancialmente para a redução da carga de doenças transmissíveis e da mortalidade infantil. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMSOrganização Mundial da Saúde), a cada ano, cerca de 3 milhões de vidas são salvas graças à vacinação.2 No Brasil, o sucesso das estratégias do Programa Nacional de Imunizações (PNIPrograma Nacional de Imunizações) voltadas para a vacinação de crianças:3,4
- permitiu a eliminação da varíola, da poliomielite, do sarampo e da rubéola;
- tornou raras doenças, como coqueluche, tétano, difteria, entre outras;
- contribuiu substancialmente para o envelhecimento rápido (diferente do que ocorreu na Europa, por exemplo) da população.
A maior longevidade da população vem modificando o perfil epidemiológico no País, com aumento da mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis (DCNTdoença crônica não transmissívels), em detrimento das doenças infectoparasitárias (DIPs). Cerca de 70% dos óbitos registrados no País estão associados às DCNTdoença crônica não transmissívels.5 No entanto, pacientes com essas doenças são, em especial, de risco para as DIPs, que:6
- são causa de hospitalizações, óbitos e descompensações de doenças de base, como o diabetes;
- estão associadas a um maior risco para o infarto do miocárdio (influenza) ou acidente vascular cerebral (herpes-zóster [HZherpes-zóster]);
- são causas importantes de morbidade e mortalidade em pacientes com neoplasias malignas e outras situações de imunossupressão;
- podem deixar sequelas e comprometer a qualidade de vida (HZherpes-zóster).
O envelhecimento, por si só, torna o indivíduo mais vulnerável aos desfechos graves causados pelas doenças infecciosas; o tratamento das infecções também é mais complicado nesse grupo, visto, muitas vezes, um maior risco de eventos adversos e contraindicações.7
Ganhos no melhor entendimento das vacinas abriram uma onda de inovações com a disponibilização de novas vacinas e estratégias voltadas para a saúde do adulto e do idoso. Esse conhecimento, combinado com a mudança da epidemiologia de agentes infecciosos, tem levado a um ciclo rápido de atualizações nos calendários de vacinação para manter a prática clínica alinhada com o progresso científico.8
Generalizar as diretrizes de vacinação para adultos e implementá-las na prática é mais complicado do que fazê-lo para crianças. Uma gama de comorbidades pode influenciar nas recomendações, como, por exemplo, as vacinas Haemophilus influenzae B (HiBHaemophilus influenzae B) e meningocócicas, em geral não recomendadas para o adulto, além de serem altamente recomendadas para aqueles com asplenia anatômica ou funcional, entre outras situações clínicas de risco. Situações específicas, como a gestação e as viagens, também podem indicar a necessidade de recomendações especiais.8
O papel do médico na vigilância e na prevenção das doenças infecciosas é muito importante e a recomendação de vacinas deve fazer parte de sua rotina. Deseja-se que, em toda consulta médica, seja ela de rotina ou de emergência, verifique-se a vacinação do adulto e que se faça a orientação adequada e por escrito. No entanto, levantamentos de órgãos internacionais, realizados durante a consulta médica, mostram que 76% dos pacientes adultos não completam os calendários básicos de imunização e que apenas 7% recebem a orientação adequada.9
A avaliação da história vacinal nos consultórios acarreta resultados que vão além da manutenção da saúde do indivíduo. Essa atitude também possibilita diminuir os custos sociais ocasionados pelas doenças, suas complicações e sequelas, assim como os óbitos que poderiam ter sido evitados pela imunização. Entende-se que o atendimento médico é uma importante oportunidade de abordagem e orientação sobre imunizações. Logo, a atenção ao calendário de vacinação do adulto e idoso deve estar inserida na rotina da clínica médica de outras especialidades médicas, sob o prisma da assistência global, uma vez que esse é o procedimento médico que possibilita maior impacto na redução de doenças infecciosas e óbitos decorrentes delas.9
A Sociedade Brasileira de Imunização (SBImSociedade Brasileira de Imunização), Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPTSociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia), Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGGSociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia), entre outras, recomendam a vacinação rotineira do adulto e do idoso e elegem como as vacinas a serem consideradas na imunização do paciente, desde que respeitadas as indicações específicas de cada uma, a epidemiologia local e as possíveis contraindicações:
- vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola);
- vacina contra influenza;
- vacina pneumocócica polissacarídica 23 valente (VPP23vacina pneumocócica polissacarídica 23 valente);
- vacina pneumocócica conjugada 13 valente (VPC13vacina pneumocócica conjugada 13 valente);
- vacina contra HZherpes-zóster;
- vacinas contra hepatite A e B;
- vacina meningocócica conjugada C;
- vacina meningocócica ACWY;
- vacina meningocócica B;
- vacina contra papilomavírus humano (HPVpapilomavírus humano);
- vacina contra dengue;
- vacina contra febre amarela;
- vacina contra varicela;
- vacina tríplice bacteriana acelular do tipo adulto (difteria, tétano e pertússis);
- vacina dupla do tipo adulto (difteria e tétano).
O PNIPrograma Nacional de Imunizações, por meio dos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEcentro de referência para imunobiológicos especiaiss), disponibiliza a imunização de indivíduos portadores de comorbidades, de acordo com protocolos publicados em seu manual, que, periodicamente atualizado, passa a contemplar conhecimentos adquiridos ao longo do tempo. O País tem avançado muito nos últimos anos, com novas incorporações de imunobiológicos, tanto nos calendários básicos quanto na vacinação de pacientes com comorbidades e seus contactantes. Hoje, assiste-se à expansão do benefício da vacinação pública para adultos e idosos, com a inclusão das vacinas influenza, hepatite B, difteria e tétano, sarampo, caxumba e rubéola, HPVpapilomavírus humano e febre amarela na rotina para esses grupos.
Os diferentes calendários de vacinação têm em comum o objetivo de elaborar estratégias considerando a proteção do indivíduo baseada em evidências científicas atualizadas nas características de cada vacina, em dados epidemiológicos e na relação custo–benefício individual e coletiva.10 Nos calendários de vacinação dos programas de imunizações dos diferentes países, estão incluídas as vacinas recomendadas pelas autoridades de saúde como rotina para grupos de risco aquelas de responsabilidade dos governos e ofertadas gratuitamente ao maior número possível de cidadãos.
São vários os critérios considerados para a tomada de decisão de introduzir novas vacinas em um programa público de vacinação, dentre eles fatores políticos e programáticos, questões relacionadas à implementação da decisão, dados epidemiológicos, especificações das vacinas existentes, fontes de suprimento das vacinas, análise de custo–eficácia e logística das operações, além da sustentabilidade econômica do programa com a introdução da nova vacina. Portanto, a decisão de incluir ou não uma vacina no calendário de imunizações ultrapassa os limites de uma análise puramente técnico-científica sobre qual a melhor vacina, além de implicar, muitas vezes, na oferta da vacina para parte da população (considerada de maior risco ou estratégica para controle da doença no País) ou adoção de esquemas alternativos de doses. Há questões estratégicas, políticas e econômicas que precisam ser analisadas e implicam na segurança sanitária do País a curto, médio e longo prazos.11
Já os calendários de vacinação das sociedades médicas recomendam, além das vacinas incluídas nos programas públicos de vacinação, aquelas consideradas adequadas para a saúde do indivíduo, de acordo com análises técnico-científicas, considerando sua eficácia e segurança, a epidemiologia local e os riscos especiais a que esses indivíduos possam estar expostos.12 Eles pretendem servir de orientação para o médico na definição do programa de vacinação para seu paciente.
Segundo o Código de Ética Médica (CEMCódigo de Ética Médica) brasileiro,13
o médico deve respeitar a autonomia do paciente, não devendo tomar decisões pelo paciente a não ser em risco iminente de vida.
Comete falta ética o médico que realiza procedimento não autorizado pelo paciente, desobedecendo ao princípio da autonomia, ainda que movido por boas intenções.
O CEMCódigo de Ética Médica também estabelece que o médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.13 Portanto, o paciente deve receber informações justas, claras e adequadas sobre todos imunobiológicos recomendados para eles e, assim, poder tomar suas decisões.
Os calendários públicos e das sociedades médicas têm abordagens diferentes, mas um objetivo comum: a prevenção primária de doenças infecciosas potencialmente graves e de risco para cada grupo-alvo, por faixa etária ou riscos específicos. De um lado, a responsabilidade dos governos em investir na saúde da coletividade; de outro, a responsabilidade médica também com a proteção individual.
Quando altas coberturas vacinais são obtidas, os efeitos benéficos da vacinação não estão limitados às pessoas que foram vacinadas. A vacinação em massa permite, na maioria das vezes, não somente proteção individual, mas também de toda a população, o que reduz a incidência de doenças e impede a contaminação de pessoas suscetíveis.10
A resposta ideal a uma vacina depende de vários fatores, incluindo o tipo de vacina, a idade e o status imune do paciente, a presença de doenças crônicas, entre outros. Por outro lado, o indivíduo imunizado não apenas estará protegido, mas também não irá transmitir a doença, o que reduz, assim, a prevalência do patógeno na coletividade. Portanto, apesar da alta eficácia da maioria das vacinas disponíveis, nem todo indivíduo vacinado se torna imune e o convívio com pessoas vacinadas diminui o risco de exposição.14 Em larga escala, a esse fenômeno dá-se o nome de imunidade coletiva ou proteção de rebanho: a alta cobertura vacinal permite a proteção dos poucos não vacinados ou vacinados não respondedores à vacina.
Poucas ações e poucos investimentos em saúde trouxeram retorno tão eficaz e transformador nas sociedades quanto à vacinação. Os benefícios diretos e indiretos gerados com ações de imunizações são inquestionáveis e inúmeras evidências demonstram seu potencial de redução da mortalidade entre as crianças, os adultos e os idosos, melhoria das condições de saúde e bem-estar das populações, além de representar economia para a sociedade, tanto por meio de redução de custos com consultas, tratamentos e internações hospitalares decorrentes das doenças quanto na diminuição do absenteísmo escolar e do trabalho.
Desse modo, o grande desafio atual não é mais questionar o papel das imunizações na promoção da saúde, e sim ampliar não só as faixas etárias a serem vacinadas, mas também as doenças que podem ser prevenidas.3
Cabe, também, as mesmas sociedades desconstruir mitos relacionados à vacinação e criados em momentos infelizes da história da humanidade que, por muitas vezes, comprometeram a sua credibilidade.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), SBImSociedade Brasileira de Imunização e Febrasgo possuem calendários específicos para as diferentes populações. A SBImSociedade Brasileira de Imunização, em parceria com a SBGGSociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), SBPTSociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) e Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (ASBAI), publicou guias com recomendações específicas para pacientes atendidos por essas especialidades, além do Guia de Vacinação de Pacientes Especiais. Cabe ao médico, portanto, manter-se constantemente atualizado, a fim de poder informar seu paciente sobre os avanços da vacinologia.
Nota da Editora: os medicamentos que estiverem com um asterisco (*) ao lado estão detalhados no Suplemento constante no final deste volume.
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de
- reconhecer as diferenças entre os tipos de vacinas e os conceitos envolvidos na prescrição de vacinas;
- conhecer as recomendações e contraindicações das vacinas para adultos e idosos;
- saber quando recomendar as imunoglobulinas homólogas ou heterólogas;
- identificar os eventos adversos, atuar nesses casos e notificar, quando necessário;
- saber quando a vacinação de contactantes é recomendada ou contraindicada;
- responder às dúvidas de seu paciente em relação à segurança e eficácia das vacinas.
- Esquema conceitual