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VIOLÊNCIA EM PSIQUIATRIA

Autores: José Paulo Fiks, Patrícia Ferreira Mattos, Mary Sau Ling Yeh, Euthymia Brandão Almeida Prado, Soraya Canasiro , Nina Leão Marques Valente, Maria Eugênia Mesquita
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  • Introdução

Desde a década de 1960, o mundo está mais preocupado com a paz. Há pesquisas que indicam a diminuição da violência em números absolutos, mas há dados que marcam seu crescimento endêmico. A psiquiatria está cada vez mais envolvida na prevenção de patologias, além de sua incumbência curativa.

Os dados divergem nas várias regiões do mundo, mas a associação entre más condições socioeconômicas, violência e adoecimento psíquico já é uma evidência. Dados atuais apontam que qualquer indivíduo do planeta deve passar pelo menos por um evento traumático durante a sua existência. Assim, a articulação entre violência e psiquiatria requer uma visão macro e uma particular, especialmente no Brasil.

A percepção da violência em psiquiatria geralmente esteve atrelada ao aspecto da agressividade por parte do paciente. Seja devido a produtos da cultura ou em função dos noticiários, a relação entre doença mental e atos violentos sempre foi filtrada pelo mito de que grande parte dos doentes mentais é violenta. Mas a maioria dos achados em estatísticas nesse campo mostra que o portador de transtorno mental não é um agressor em potencial. Pelo contrário, ele geralmente é a vítima de agressões.

Provavelmente nada é mais violento para a existência do que o adoecimento psíquico, e se a violência ocorre por parte do paciente, frequentemente ela é resultado da desorganização psíquica.

O psicólogo canadense Steven Pinker1 afirma que a violência interpessoal caiu ao longo da história. O autor revisitou a proposta do pensador Thomas Hobbes, do século XVII, que sustenta que o Estado ainda é o grande responsável pela tutela da agressividade inata de seus cidadãos.

Pinker também reviu os estudos do sociólogo Norbert Elias, que argumenta que as grandes cidades seriam as maiores transmissoras do processo civilizatório desde o século XIX. Esse seria o cenário propício para o repasse de conhecimentos que partia das classes mais abastadas de então – a igreja e a nobreza – para a classe média ascendente. Com as manifestações de rua da década de 1960, a sociedade passou a reivindicar a paz e os direitos sociais e políticos, levando as pessoas a prestar mais atenção à violência e aos seus malefícios.

Segundo dados mais atuais do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (MS), mais de 1 milhão de brasileiros foram assassinados entre os anos de 1996 e 2013. Talvez o elemento mais grave seja o aumento dessa modalidade de extermínio a cada ano que passa. O número anual total de mortes por violência no Brasil tem passado dos 120.000. Metade delas é decorrente de assassinatos, e a outra metade é provocada por acidentes de trânsito. Em valores relativos, o Brasil é o 11° país mais violento do planeta; em termos absolutos, supera qualquer outro.

Um dos maiores desafios no domínio da violência e da saúde mental envolve a definição de conceitos, na medida em que muitos termos usados na área da saúde e, especialmente na psiquiatria, foram apropriados de outros campos do conhecimento. A violência, assim como se apresenta nos noticiários da televisão, em filmes e em jogos de video game, possui o mesmo significado para o campo da saúde? Qual é a violência que provoca o trauma psíquico? Como detectá-la? Como tratar os quadros decorrentes dela?

No Brasil, praticamente não há catástrofes naturais, só houve um caso de um atirador em escola com atitude padrão norte-americano na última década, evento bastante comum nos EUA, não há guerras, tampouco militares que retornam traumatizados desses eventos bélicos, e não existem atos terroristas decorrentes da intolerância religiosa, embora chacinas, comuns em bares da periferia, possam ser consideradas uma modalidade de terrorismo.

A violência interpessoal impera, especialmente contra mulheres, negros, homossexuais, deficientes físicos, idosos e índios, além das psicofobias. Nas famílias, a negligência e o abuso de toda espécie contra esposas e crianças é praticamente a norma em determinadas regiões do país.

Em 1980, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPTtranstorno de estresse pós-traumático) foi descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais III (DSM-III), provendo, finalmente, diretrizes diagnósticas para quadros traumáticos. Este artigo apresenta conceitos do campo da violência, patologias psíquicas associadas, elementos de neurobiologia e tratamentos existentes para esse tipo de transtorno, tendo como foco a realidade brasileira.

  • Objetivos

Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de:

 

  • revisar conceitos e termos presentes nos quadros de transtorno de estresse agudo (TEAtranstorno de estresse agudo) e de TEPTtranstorno de estresse pós-traumático;
  • identificar aspectos relacionados à neurobiologia do trauma;
  • reconhecer as diretrizes diagnósticas para o TEAtranstorno de estresse agudo e para o TEPTtranstorno de estresse pós-traumático, bem como os respectivos tratamentos;
  • analisar elementos da clínica de infância e adolescência em relação a eventos estressores traumáticos;
  • reconhecer as comorbidades mais frequentes no campo da violência e do trauma.
  • Esquema conceitual
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