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A IMPORTÂNCIA DA BIÓPSIA MUSCULAR NA ERA MOLECULAR

Autores: Ana Cotta, Elmano Carvalho, Antonio Lopes da Cunha Junior
epub-PRONEURO-C1V3_Artigo5

Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • enumerar dados clínicos, neurofisiológicos, laboratoriais e de imagem que indicam maior probabilidade de a biópsia muscular auxiliar a confirmação da hipótese diagnóstica clínica;
  • identificar os principais fatores clínicos, laboratoriais, neurofisiológicos e de imagem para escolha do melhor grupo muscular para a realização da biópsia;
  • reconhecer a importância dos exames de imagem pré-operatórios na investigação de pacientes com miopatias inflamatórias;
  • identificar informações clínicas detalhadas para o sucesso da análise do material e listar as informações clínicas necessárias para solicitação de biópsia muscular.

Esquema conceitual

Introdução

As doenças neuromusculares podem estar relacionadas a doenças primárias dos músculos, dos nervos e das junções neuromusculares. As doenças dos músculos podem ser adquiridas ou hereditárias.1 A avaliação clinicopatológica é o padrão-ouro para o diagnóstico das miopatias adquiridas inflamatórias e imunomediadas.1,2 A biópsia muscular é, ainda hoje, mesmo com os avanços da genética molecular, uma ferramenta diagnóstica importante para avaliação das miopatias genéticas.3,4

À semelhança do que ocorre em outras áreas da medicina e da neurologia, o diagnóstico das doenças neuromusculares é realizado, primordialmente, a partir dos dados da anamnese e do exame físico. Dessa forma, a interpretação dos achados de biópsia muscular e dos demais exames complementares deve estar solidamente embasada no diagnóstico clínico.

A informação genética é armazenada e transmitida como genótipo e expressa como fenótipo.5 O procedimento diagnóstico neuromuscular inclui necessariamente a elaboração de hipóteses diagnósticas clínicas. Nos casos em que a biópsia muscular for necessária para a investigação, tais hipóteses devem ser claramente informadas ao miopatologista ou neurologista, que fará a interpretação dos achados do exame.

Neste capítulo, será apresentada uma visão sobre o papel da biópsia muscular na investigação diagnóstica das miopatias. Para tanto, entre outros aspectos, serão descritos os diagnósticos fenotípico e genotípico e por que a biópsia muscular pode auxiliar a interpretação de resultados moleculares com variantes de significado incerto (em inglês, variants of uncertain significance [VUS]) e variantes não descritas na literatura.

Em um levantamento dos diagnósticos mais frequentes em 1.603 pacientes atendidos no período de 17 anos em um ambulatório de referência em doenças neuromusculares, cerca de metade dos pacientes foi submetida à biópsia muscular para esclarecimento diagnóstico (Figura 1).6

FIGURA 1: Frequência de diagnósticos confirmados por exames moleculares e de biópsia muscular em um serviço de referência no Brasil. // Fonte: Adaptada de Cotta e colaboradores (2017).6

Entre os pacientes submetidos a exames moleculares para confirmação diagnóstica, existem quatro grandes grupos de doenças, cujo fenótipo clínico é bem característico, determinado por meio dos dados da anamnese e do exame físico. Essas condições são:6

  • distrofinopatia (incluindo distrofia muscular progressiva de Duchenne, distrofia muscular progressiva de Becker e pacientes femininas portadoras sintomáticas de distrofinopatia);
  • atrofia muscular espinhal (AMEatrofia muscular espinhal);
  • distrofia miotônica tipo 1 (DM1distrofia miotônica tipo 1)/distrofia miotônica de Steinert;
  • distrofia facioescapuloumeral (em inglês, facioscapulohumeral muscular dystrophy [FSHD]).

A frequência dos quatro grandes grupos de doenças varia em algumas populações. Em detalhado estudo de prevalência de base populacional conduzido no Reino Unido, as prevalências, com confirmação diagnóstica molecular, em ordem decrescente, foram as seguintes:6

  • distrofia miotônica;
  • distrofinopatia;
  • FSHD;
  • AMEatrofia muscular espinhal.

Em razão das diferenças metodológicas, não é possível afirmar se há distinções entre as prevalências das doenças neuromusculares mais frequentes entre os dois países (Figura 2).6

*Distrofinopatia: Duchenne, Becker e portadoras sintomáticas.

AMEatrofia muscular espinhal: atrofia muscular espinhal; DM1distrofia miotônica tipo 1: distrofia miotônica tipo 1/distrofia miotônica de Steinert; FSHD: distrofia facioescapuloumeral.

FIGURA 2: Diagnósticos neuromusculares mais frequentes em um serviço de referência no Brasil. // Fonte: Adaptada de Cotta e colaboradores (2017).6

Em aproximadamente metade dos pacientes atendidos em clínica neuromuscular, o diagnóstico pode ser estabelecido por meio de exames moleculares, realizados em amostras de DNA extraído de sangue periférico ou de saliva, sem a necessidade de realização de biópsia muscular.

Acredita-se que, em um futuro próximo, com o advento de exames moleculares mais precisos e de menor custo, a porcentagem de pacientes beneficiados por procedimentos diagnósticos minimamente invasivos possa aumentar. Nessas situações, o paciente receberá um diagnóstico fenotípico clínico e um diagnóstico genotípico molecular (Figura 3).

ENMG: eletroneuromiografia; CK: creatinoquinase total sérica; RM: ressonância magnética; TC: tomografia computadorizada; USG: ultrassonografia; WB: western blot; SB: southern blot.

FIGURA 3: Diagnóstico fenotípico e genotípico de doenças neuromusculares. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

A correlação entre os dados clínicos, neurofisiológicos, laboratoriais e de imagem e a biópsia muscular permite a elaboração do diagnóstico fenotípico. Os mesmos achados clínicos e de exames complementares, relacionados aos resultados moleculares, permitem a elaboração de um diagnóstico genotípico.

Mesmo após diversos avanços da genética molecular, ainda há situações em que a biópsia muscular é muito relevante para a investigação diagnóstica de pacientes com doenças neuromusculares e particularmente importante quando são detectadas VUS. Isso é válido para variantes ainda não descritas na literatura, cuja patogenicidade não é certa. Nesses casos, a biópsia muscular, em conjunto com os dados clínicos, neurofisiológicos, laboratoriais e de imagem, pode corroborar ou confirmar a hipótese diagnóstica clínica.

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