Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- descrever a abordagem filosófica Strengths-based Nursing and Healthcare (SBNH);
- aplicar os elementos estruturantes do SBNH ao cuidado direto ao paciente e a seus familiares;
- delinear as estratégias administrativas realizadas em um hospital universitário inspiradas no SBNH.
Esquema conceitual
Introdução
As organizações de saúde, independentemente do seu tamanho, são consideradas complexas, e seus processos são padronizados por regras impostas por várias fontes (governo, operadoras de serviço, representantes de categorias de trabalhadores, entre outras). Além disso, possuem mão de obra altamente especializada, profissionais de diferentes áreas e demandas organizacionais de diferentes esferas.1,2
A estrutura organizacional dos hospitais segue ainda as diretrizes estabelecidas por organogramas clássicos, com estruturas hierarquizadas verticais, fragmentação de responsabilidades e formalização das relações de trabalho, pautando-se nas lógicas de autoridade legal, herdadas da teoria burocrática.2
As organizações de saúde não possuem uma teoria ou referencial teórico de administração próprio. Elas se apoiam em teorias tradicionais, como teoria geral da administração, teoria científica, teoria clássica, teoria burocrática, teoria das relações humanas, entre outras.2
A enfermagem, tal como as outras profissões, segue a mesma condição de ausência de uma abordagem administrativa própria, no entanto, ocupa um papel central na administração de saúde, seja no gerenciamento de serviços de enfermagem, seja ocupando cargos estratégicos nas instituições de saúde por uma ampliação de seu escopo de atuação. Essa ampliação de atuação se deve, em parte, pela formação acadêmica e, em parte, pela expansão institucional de cargos que podem ser ocupados por enfermeiros na administração geral.
Entretanto, como herança das teorias clássicas, ainda há a ênfase no “fazer”. O cuidado de enfermagem é pautado na divisão do trabalho em tarefas e há uma excessiva preocupação com manuais de procedimentos, rotinas, normas, escalas de distribuição de tarefas, fragmentação do cuidado e outras ferramentas tradicionais das teorias administrativas clássicas.2,3
A equipe é avaliada pelo cumprimento quantitativo dessas tarefas. Os profissionais do nível médio (técnicos e auxiliares de enfermagem) cuidam da assistência direta, enquanto o enfermeiro assume a supervisão e o controle do processo de trabalho.2,3
As teorias mais modernas, contudo, vêm sendo introduzidas, de forma gradativa, nos ambientes organizacionais e consequentemente nas instituições de saúde, como é possível perceber no movimento da teoria das relações humanas, que trouxe a importância da liderança e da comunicação na formação do enfermeiro para qualificar o seu trabalho com a equipe de enfermagem.2
A alteração das relações entre as equipes, a mudança do perfil dos trabalhadores e a ampliação das teorias administrativas conduzem o gerenciamento de enfermagem para a incorporação de novos conhecimentos e habilidades, sintonizados com uma prática administrativa mais aberta, flexível e participativa.2 Ainda assim, prevalece a ausência de um referencial teórico específico de enfermagem que possa fundamentar a prática profissional e inovar o gerenciamento dos serviços de saúde.
Considerando esse contexto, vislumbra-se que o modelo teórico desenvolvido pela McGill University, no Canadá, intitulado Strengths-based Nursing and Healthcare (SBNH), pode ser uma abordagem apropriada e inovadora para o gerenciamento em enfermagem, principalmente após o período pandêmico, pois resgata e ressignifica a assistência e as relações de trabalho.4
A tradicional Escola de Enfermagem da McGill University, no Canadá, ao longo dos seus anos de formação, evoluiu com crenças e valores que se tornaram as características centrais que distinguem a abordagem dessa escola. Tais características deram origem aos fundamentos do modelo de enfermagem dessa universidade, entre os quais se destacam:
- o foco no cuidado incide na pessoa e família;
- a enfermagem é mais eficaz quando existe um genuíno, profundo e permanente respeito e valorização da singularidade da pessoa;
- os enfermeiros cuidam da pessoa com a doença, e não da doença;
- os enfermeiros são aprendizes, e os pacientes e familiares são os melhores professores;
- a enfermagem requer uma ampla base de conhecimentos sobre a condição humana, e esse conhecimento resulta da integração da teoria e prática e da reflexão na prática;
- a enfermagem é responsiva às necessidades da pessoa e família, não é prescritiva e requer flexibilidade, abertura e ausência de juízo de valor;
- as pessoas precisam encontrar suas próprias soluções e serem responsáveis pela sua própria saúde;
- há a necessidade de se criar uma parceria entre o ser que cuida e o ser cuidado para identificar e utilizar as suas forças.
O modelo SBNH vem sendo desenvolvido desde 1977 pela Dra. Moyra Allen e foi aprimorado pela Dra. Laurie Gottlieb, autora do livro Strengths-based nursing care: health and healing for person and family.4 Essa obra foi traduzida para o português de Portugal em 2016, sob a coordenação da Professora Dra. Paula Encarnação, com o título O cuidar de enfermagem baseado nas forças: saúde e cura para a pessoa e família.5
Essa abordagem é caracterizada pelo foco em capacidades, competências e recursos dos pacientes e das famílias. Destaca a relação de parceria colaborativa entre o enfermeiro e o paciente, bem como se refere aos pontos fortes que enfermeiros, pacientes e familiares são encorajados a reconhecer e desenvolver em si próprios e nos outros para promover a saúde e facilitar a cura.5,6
Considera a totalidade da pessoa e centra-se no que está funcionando bem, no que a pessoa faz de melhor e nos recursos que os indivíduos dispõem e que os ajudam a lidar de maneira mais eficaz com os desafios dos cuidados de saúde. Representa uma ressignificação do conceito de cuidar profissionalmente de outra pessoa.5
Além disso, essa abordagem conduz os enfermeiros às raízes do cuidar, focados na pessoalidade e na humanidade, solicitando que encarem sua singularidade, não apenas a doença ou os problemas. O enfermeiro identifica e desenvolve as forças da pessoa e da família, utilizando a parceria colaborativa para ajudá-la a alcançar seus objetivos de saúde.5
O SBNH pode ser aplicado no cuidado direto aos pacientes e seus familiares e pode ser um referencial teórico que fundamenta as estratégias gerenciais nas relações de trabalho com os profissionais que compõem essa equipe.