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ALERGIA ALIMENTAR PARA O PEDIATRA GERAL

Cássia Freire Vaz

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Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • descrever os fatores de risco, o diagnóstico e o tratamento indicados para os pacientes com alergia alimentar (AA);
  • diferenciar a AA IgE mediada, a mista e a não IgE mediada.

Esquema conceitual

Introdução

A AA é um problema de saúde pública atual e pode ser definida como uma doença crônica decorrente de resposta inadequada do sistema imunológico ao contato e/ou à ingestão de proteínas alimentares em indivíduos predispostos.1–3

A AA ocorre sempre que o alimento causador dessa doença for ingerido, e consiste em uma reação alimentar adversa imunomediada que pode ocorrer por meio de diferentes mecanismos imunológicos.1–3

Para o devido acompanhamento da AA, é necessário ter em mente que nem toda reação alimentar adversa é uma AA. As reações não imunológicas, como intoxicação e efeito osmótico de carboidratos ingeridos e não absorvidos, podem ter sintomas parecidos e devem fazer parte do diagnóstico diferencial. Alguns exemplos são intolerância à lactose, salmonelose e intoxicação ocasionada por alimentos contaminados por substâncias químicas. A diferenciação entre as reações alimentares adversas é essencial para o diagnóstico e o controle adequados do quadro clínico do paciente.

A anamnese e o exame físico são importantes no diagnóstico da AA, visto que suas inúmeras formas de apresentação clínica, tanto no trato gastrintestinal quanto sistêmicas são um grande fator confundidor.

1

A.J., 4 meses de idade, primeira filha de C. e L., nascida de cirurgia cesariana a termo, está em aleitamento materno mais uma mamadeira de fórmula de seguimento adequada para o primeiro semestre de vida por dia.

A paciente iniciou quadro diarreico com 3 meses de vida e, em 2 semanas, evoluiu para hematoquezia de 2 a 3x/dia, sem febre ou dor aparente. Foi levada ao pediatra assistente que, após anamnese, identificou história familiar altamente positiva para alergia respiratória, sem outras informações que chamassem a atenção.

Ao exame físico, apresentava(-se):

 

  • sinais vitais: frequência cardíaca (FC) 112bpm, frequência respiratória (FR) 39irpm, pressão arterial (PA) 84 x 41mmHg;
  • peso 6.450g (escore Z 0,06) e comprimento 62cm (escore Z −0,05);
  • ativa, reativa, corada, hidratada, acianótica, anictérica, com perfusão capilar de 2 segundos;
  • aparelho cardiovascular (ACV): ritmo cardíaco regular (RCR), em dois tempos (2T), com bulhas normofonéticas (BNF), sem sopros;
  • aparelho respiratório (AR): murmúrios vesiculares universalmente audíveis (MVUA), sem ruídos adventícios (RA);
  • abdome (ABD): globoso, depressível, indolor sem massas ou visceromegalias.

Terapêutica do caso 1

Condutas no caso 1

O pediatra assistente fez o diagnóstico de alergia à proteína do leite de vaca (APLV) e orientou a mãe a suspender o leite da dieta e reavaliar em uma semana. No retorno, em uma semana, a paciente teve pouca melhora do quadro. Considerando falha terapêutica, o pediatra optou por suspender o aleitamento materno e iniciar fórmula de aminoácidos, que teve boa resposta e resolução da diarreia e da hematoquezia.

Evolução da paciente do caso 1

Após oito semanas do uso da fórmula de aminoácidos, introduziu-se fórmula extensamente hidrolisada com sucesso. Fez-se a introdução alimentar na mesma época, e a lactente não apresentou reação a nenhum dos alimentos introduzidos.

Aos 8 meses de vida, introduziu-se fórmula de soja. A paciente não tolerou bem o seu sabor, apesar de não haver reação clínica e, por isso, optaram pelo teste de provocação oral (TPO) aberto em ambiente hospitalar. A paciente fez o teste internada em unidade de terapia intensiva (UTI) e ingeriu leite sem intercorrências. A sua dieta foi liberada, e a paciente foi considerada curada.

Acertos e erros no caso 1

A paciente tem um quadro compatível com APLV não IgE mediada do tipo proctite alérgica. Nesse caso, suspender o leite e derivados da dieta materna é a conduta acertada. Há fatores de risco tanto na história pessoal da paciente (parto cesáreo e introdução precoce de fórmula) quanto na história familiar (ambas as famílias têm história positiva para alergia).

Entretanto, a suspensão deve durar no mínimo quatro semanas para que a avaliação da resposta ao quadro seja fidedigna. Além disso, deve-se ter certeza de que não se está colocando a lactante em insegurança alimentar, e é necessário encaminhá-la a um nutricionista para garantir alimentação adequada, visto que o leite materno mantém suas características nutricionais mesmo que isso signifique prejuízo das reservas maternas.4

É preciso estimular e manter o aleitamento materno o máximo de tempo possível, visto que é um importante elemento no desenvolvimento da tolerância oral do lactente. Em algumas cidades, inclusive, há bancos de leite ou especialistas em amamentação para ajudar as mães na tentativa de relactação.1,5

Exauridas todas as possibilidades de aleitamento materno exclusivo, deve-se inicialmente tentar uma fórmula extensamente hidrolisada para complementar o aleitamento materno, visto que 90% dos pacientes respondem bem a esse tratamento. Em caso de impossibilidade de aleitamento materno, utiliza-se essa fórmula para alimentação. As fórmulas de aminoácidos devem ser reservadas aos 10% dos pacientes que apresentam reação à fórmula extensamente hidrolisada.1,5

Em situações nas quais a comprovação laboratorial não seja possível, deve-se reexpor o paciente ao alimento alérgeno para a comprovação diagnóstica, mostrando à família e ao paciente a importância desse passo. Nos casos em que a família estiver irredutível, registra-se essa resistência em prontuário, porém é necessário deixar sempre claro que a reintrodução será tentada, visto que o desenvolvimento da tolerância é comum e se deve evitar a restrição alimentar para a vida toda.

A evolução da lactente foi compatível com uma proctite alérgica, e a introdução alimentar feita com um número variado de alimentos é adequada. A reexposição em ambiente hospitalar é adequada, entretanto a paciente não tinha história de alergia grave, e o teste poderia ter sido realizado ambulatorialmente, em área com estrutura capaz de oferecer tratamento em caso reação, e não necessariamente em uma UTI.

2

J. foi levado, aos 3 meses, a uma consulta pediátrica por A., seu pai. O paciente nasceu prematuro de 34 semanas com 1.850g (escore Z −0,93) e comprimento de 45cm (escore Z 0,01), nasceu de parto cesáreo.

A mãe do paciente faleceu dois dias após o parto em decorrência de complicações relacionadas à COVID-19. J. recebeu alta após trabalho fonoaudiológico que permitiu o uso adequado da mamadeira. Desde então, usa fórmula infantil para lactentes adequada à sua idade e com base de leite de vaca. O pai percebeu que o refluxo gastresofágico do filho apresentou piora progressiva nos últimos meses. O sono de J. era agitado, e o menino chorava muito após as mamadas como se apresentasse dor. A sua mãe era alérgica à dipirona, e o pai apresenta asma.

Ao exame físico, o paciente apresentava(-se):

 

  • peso 5kg (escore Z −2) e comprimento de 59 centímetros (escore Z −1,19);
  • sorriso social, porém não sustenta a cabeça;
  • FC 123bpm, FR 41irpm, PA 85 x 40mmHg, peso 6,450g (escore Z 0,06) e comprimento de 62cm (escore Z −0,05);
  • ativo, reativo, corado, hidratado, acianótico anictérico, com perfusão capilar de 2 segundos;
  • ACV: RCR em 2T, BNF, sem sopros;
  • AR: MVUA sem RA;
  • ABD: globoso, depressível, indolor, sem massas ou visceromegalias.

Terapêutica do caso 2

Condutas no caso 2

O pediatra que acompanha o paciente do caso 2 avaliou o seu atraso de desenvolvimento como compatível com a prematuridade, porém ficou preocupado com o desvio na curva de ganho de peso e trocou a fórmula por uma com base de soja por causa de suspeita de APLV. Depois de um mês com melhora, o quadro retornou e J. apresentava urticária pelo corpo todo. O pediatra explicou que, em decorrência da idade, os exames poderiam dar um falso-negativo e encaminhou o caso a um alergista.

Acertos e erros no caso 2

O paciente tem um quadro compatível com APLV do tipo não IgE mediada, e o desvio na curva sugere enteropatia induzida por proteína alimentar. A evolução com quadro cutâneo após a introdução da proteína de soja faz pensar em alergia IgE mediada à soja.

Há fatores de risco tanto na história pessoal do paciente (parto cesáreo, introdução precoce de fórmula e prematuridade) quanto na história familiar (ambas as famílias com história positiva para alergia). Nesse caso, preconiza-se iniciar com uma fórmula extensamente hidrolisada, pois apenas se indica soja para crianças maiores de 6 meses por causa do risco de sensibilização para essa proteína.

Evolução do paciente do caso 2

O paciente passou a fazer um acompanhamento multidisciplinar com alergista pediátrico, gastrenterologista pediátrico e nutricionista. Introduziu-se fórmula extensamente hidrolisada, utilizada até os 6 meses de vida, quando se iniciou a introdução alimentar. Aos 8 meses de idade, quando o paciente atingiu o peso adequado para a idade gestacional corrigida, fez-se ambulatoriamente um TPO ao leite e à soja em dois momentos separados, com boa resposta. O paciente recebeu alta com 11 meses e mantém o acompanhamento com o pediatra assistente e uma nutricionista.

ATIVIDADES

1. Observe as afirmativas sobre a APLV.

I — A tentativa inicial de usar uma fórmula extensamente hidrolisada deve ser feita após exauridas todas as possibilidades de aleitamento materno exclusivo.

II — A reexposição em ambiente hospitalar é adequada.

III — As fórmulas de aminoácidos devem ser reservadas aos 10% dos pacientes que apresentam reação à fórmula extensamente hidrolisada.

IV — A ingestão de leite deve ser suspensa por 15 dias para a confirmação diagnóstica.

Quais estão corretas?

A) Apenas a I, a II e a III.

B) Apenas a II, a III e a IV.

C) Apenas a I, a III e a IV.

D) A I, a II, a III e a IV.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "A".


A suspensão da ingestão de leite de vaca deve ser de no mínimo quatro semanas para que a avaliação da resposta ao quadro seja fidedigna.

Resposta correta.


A suspensão da ingestão de leite de vaca deve ser de no mínimo quatro semanas para que a avaliação da resposta ao quadro seja fidedigna.

A alternativa correta e a "A".


A suspensão da ingestão de leite de vaca deve ser de no mínimo quatro semanas para que a avaliação da resposta ao quadro seja fidedigna.

2. A soja é indicada para crianças

A) após os 3 meses de idade.

B) maiores de 6 meses de idade.

C) aos 24 meses de idade.

D) aos 12 meses de idade.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "B".


Indica-se soja somente para crianças maiores de 6 meses por causa do risco de sensibilização para essa proteína.

Resposta correta.


Indica-se soja somente para crianças maiores de 6 meses por causa do risco de sensibilização para essa proteína.

A alternativa correta e a "B".


Indica-se soja somente para crianças maiores de 6 meses por causa do risco de sensibilização para essa proteína.

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