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MANEJO AMBULATORIAL DA ASMA NA INFÂNCIA

Ana Carla Moura

Georgia Véras de Araújo Gueiros Lira

Emanuel Sávio Cavalcanti Sarinho

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Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • reconhecer os sinais e os sintomas da asma;
  • diagnosticar e classificar a asma;
  • tratar a asma com as opções terapêuticas adequadas no período intercrise/ambulatorial;
  • realizar o diagnóstico diferencial da asma;
  • identificar os pacientes com asma que deverão ser encaminhados ao especialista.

Esquema conceitual

Introdução

Considera-se a asma uma doença complexa e heterogênea, com prevalência entre 11,8 e 30,5% de crianças e adolescentes das principais cidades brasileiras, segundo o International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC), e essa doença deve ser encarada como um problema real de saúde pública.1 A asma resulta de complexas interações entre gene e ambiente, com heterogeneidade na apresentação clínica, no tipo e na intensidade da inflamação e da remodelação das vias aéreas.2

A asma se apresenta por diversos fenótipos (características observáveis de um indivíduo) e endótipos (mecanismos imunológicos, moleculares e fisiopatológicos subjacentes ao fenótipo) que a caracterizam como doença inflamatória crônica das vias aéreas inferiores.3 As suas principais características são a hiper-responsividade em vias aéreas inferiores e uma limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com tratamento, que pode se manifestar por episódios recorrentes de sibilância, dispneia, sensação de aperto no peito e tosse, particularmente à noite e/ou pela manhã ao despertar.

Os fenótipos inflamatórios mais frequentemente identificados incluem a asma eosinofílica ou não eosinofílica e a asma alérgica ou não alérgica. Dentre os endótipos, identificam-se as inflamações tipo 2 alta e baixa. Os pacientes asmáticos com inflamação T2 alta caracterizam-se, comumente, por asma de início precoce, evolução mais grave e associação com atopia/imunoglobulina E (IgE) com marcada eosinofilia nas vias aéreas e sistêmica. A asma inflamação T2 baixa geralmente ocorre em pacientes com início tardio da doença, ausência de eosinofilia e baixa responsividade à corticoterapia.

O avanço no conhecimento da asma permite conduzir o paciente de forma personalizada, objetivando o controle da doença e evitando riscos futuros. Apesar desses avanços, o diagnóstico de asma, o nível de controle da doença e a adesão ao tratamento ainda se configuram como grandes desafios na prática clínica do pediatra. A asma é uma das doenças respiratórias mais comuns da infância, responsável por um significativo número de atendimento de urgências, internações, absenteísmo e baixo desempenho escolar.2,3

Os sinais e sintomas da asma não são exclusivos dessa doença, por isso a confirmação do seu diagnóstico envolve, além das características clínicas, o uso de métodos objetivos de investigação, quando disponíveis, como testes funcionais (espirometria e testes de broncoprovocação ao exercício ou broncoconstrictores) e testes alérgicos, como o teste cutâneo ou a dosagem sérica IgE específica.4

Os sintomas da asma são inespecíficos e incluem sibilos, dispneia, falta de ar, aperto no peito e tosse. Para alguns pacientes, uma ou ambas as características podem não ser encontradas. A caracterização dos sintomas da asma deve se relacionar à natureza do sintoma, ao momento em que ocorre, aos gatilhos e à resposta ao tratamento.4

Deve-se investigar bem a presença de um ou mais sintomas, como sibilância, tosse noturna, geralmente e/ou ao despertar, sensação de aperto no peito e dispneia, apresentando-se em repouso e/ou após exercícios físicos.5 Particularmente, de forma recorrente ou seguida à exposição aos aeroalérgenos ambientais (ácaros, pelos de animais, baratas) e irritantes (fumaça de cigarro, queima de biomassa, diesel, produtos de limpeza), infecções respiratórias, exposição ao ar frio, variações climáticas, além de estresse psicológico.6

Na história clínica, as informações que devem ser registradas são as seguintes:

 

  • tempo de início dos sintomas e fatores desencadeantes (se identificados);
  • gravidade dos sintomas de asma — internações, oxigenioterapia ou interferência no sono ou limitação de atividade física (uma revisão cuidadosa das atividades diárias da criança, incluindo sua vontade de jogar e praticar esportes, é essencial, especialmente quando os pais relatam irritabilidade, cansaço e mudanças de humor);
  • uso de medicações de alívio — a frequência, a resposta e o período de uso mais recente;
  • tratamento de manutenção da asma — medicação prescrita, técnica de inalação, adesão ao tratamento, mudanças recentes nas doses e resposta à terapia;
  • história pessoal de atopia (eczema, rinite alérgica ou alergia alimentar);
  • história familiar de asma ou de doenças atópicas.

Portanto, a anamnese cuidadosa é importante para avaliar a probabilidade de que os sintomas respiratórios decorrem de asma, em vez de um diagnóstico diferencial ou uma comorbidade.

Alguns fatores que podem justificar o impacto negativo da asma são o pouco ou o não conhecimento sobre a doença e seus desencadeantes, a não compreensão do conceito de asma enquanto doença crônica que requer o uso contínuo de medicamentos, o desconhecimento da importância de verificação do controle da doença e da forma de aferi-lo, as dificuldades na compreensão e na realização da técnica inalatória de forma correta, o medo dos efeitos colaterais dos corticoides e dos broncodilatadores, a subestimação do potencial de gravidade da asma e a falta de plano de ação em caso de crise,2,3,5 aspectos relevantes que serão abordados ao longo deste capítulo.

Conforme o Global Initiative for Asthma (GINA) estabeleceu em 2021, a asma é uma doença heterogênea, geralmente caracterizada pela inflamação crônica das vias aéreas, definida pela história de sintomas respiratórios, como sibilos, dispneia, opressão torácica e tosse, os quais variam com o tempo e em intensidade, associados à limitação variável do fluxo aéreo.7

1

Paciente masculino de 1 ano e 6 meses de idade comparece ao consultório de pediatria geral. A mãe refere que o menor apresenta episódios recorrentes de chiado no peito associados a viroses, muitas vezes com dificuldade para respirar e cansaço. A genitora relata vários tratamentos com antibióticos e medicações inalatórias, especialmente por nebulização, com pouca melhora dos sintomas. Nos últimos seis meses, a criança foi três vezes ao pronto atendimento e teve uma internação hospitalar.

Interrogatório sintomático (IS): tosse produtiva que piora à noite ou quando chora ou ri, cerca de 2x/semana.

Com relação aos antecedentes pessoais:

 

  • o paciente nasceu a termo, de parto vaginal, com 39 semanas, peso ao nascimento (PN) de 2.780g; apresentou íleo meconial, necessitou de cirurgia neonatal e teve alta com 15 dias de vida (DV);
  • aleitamento misto desde o 1º mês de vida;
  • assintomático até os 3 meses de idade, quando evoluiu com bronquiolite viral aguda e necessidade de internação hospitalar;
  • após a bronquiolite, teve evolução com episódios recorrentes de crises de sibilância a cada 2–3 meses;
  • na consulta, não portava o resultado do teste do pezinho.

Sobre os antecedentes familiares, pode-se dizer o seguinte:

 

  • tem história familiar positiva de asma (pai);
  • a mãe é tabagista e fumou durante toda a gestação.

O exame físico evidenciou o seguinte:

 

  • bom estado geral (BEG), hidratado, afebril, normocorado, eupneico;
  • peso 8,6kg (percentil 1%), comprimento 76cm (percentil 1%);
  • aparelho respiratório (AR): murmúrio vesicular + (MV+) em ambos hemitórax (AHT) sem sibilos; frequência respiratória (FR) 35irpm; saturação de oxigênio (SatO2) 99% em ar ambiente;
  • aparelho cardiovascular (ACV): ritmo cardíaco regular (RCR) em 2 tempos (2T), bulhas normofonéticas (BNF) sem sopros e frequência cardíaca (FC) 120bpm;
  • abdome (ABD): semigloboso, flácido, depressível, sem visceromegalias (VMG);
  • pele sem alterações;
  • aparelho otorrinolaringológico (ORL): sem alterações.

Como conduta, orientou-se a mãe a cessar o tabagismo. Para a criança, prescreveu-se corticoide inalatório (CI) com espaçador com máscara e solicitaram-se raio X de tórax e teste do suor.

2

Adolescente, 13 anos de idade, com história de dispneia e aperto no peito há três meses, com tosse aos esforços físicos e despertar noturno semanalmente. Usa “bombinha” 3 a 4 x/semana com alívio dos sintomas. Não sai de casa sem a “bombinha” e relata que se sente seguro com esse medicamento. Os pais associam o desencadeamento de sintomas com situações de estresse e ansiedade. O paciente apresentou absenteísmo escolar no último mês por causa de sintomas respiratórios como espirros associados à obstrução nasal e prurido ocular e nasal quando exposto à poeira.

Sobre a história médica pregressa, relata história pessoal de atopia (rinite alérgica), história familiar de asma (mãe e irmã) e ausência de tratamento atual de manutenção para controle de sintomas de rinite e/ou asma. Os pais referem receio da terapia com corticoide.

Ao exame físico, o paciente apresentava(-se):

 

  • BEG, eupneico, hidratado, corado e acianótico;
  • AR: MV+ sem RA em AHT, FR 20irpm, SatO2 97% em ar ambiente;
  • ACV: RCR em 2T, com BNF, sem sopros e FC 87bpm;
  • ABD: plano, flácido, sem massas palpáveis;
  • rinoscopia anterior: hipertrofia dos cornetos inferiores (+++/4+) com mucosa nasal pálida e coriza hialina;
  • teste de controle da asma (ACT) ≤15.

Como conduta, prescreveu-se ao paciente tratamento com CI e solicitaram-se raio X de tórax, teste cutâneo para aeroalérgenos e espirometria com avaliação de resposta ao broncodilatador.

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