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ANSIEDADE: SINTOMAS ANSIOSOS SOMÁTICOS NA PRÁTICA CLÍNICA

Autores: Alan Campos Luciano , Márcio Antonini Bernik
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  • Introdução

A ansiedade é uma característica adaptativa humana que traz vantagens evolutivas, porém pode ser disfuncional quando mecanismos de controle não funcionam de modo adequado. Nesse momento, considera-se a existência de um transtorno ansioso, que pode ter apresentação clínica muito variada, inclusive com muitos sintomas somáticos, os quais podem se apresentar de forma aguda e fazer diagnóstico diferencial com outras condições clínicas.

Dada à alta prevalência desses transtornos, esse diagnóstico diferencial passa a ser importante tanto nos serviços de urgência e emergência quanto no seguimento ambulatorial. Além disso, os transtornos ansiosos comumente apresentam comorbidades com outros transtornos psiquiátricos, principalmente outros transtornos ansiosos, fato que pode tornar o diagnóstico correto uma tarefa desafiadora.

A ansiedade é uma resposta emocional anterior a uma ameaça futura, ao passo que o medo é uma resposta emocional a uma ameaça iminente (real ou percebida). A reação de pânico (fuga ou luta nos animais) é entendida como um tipo específico e intenso de medo.

As diferentes reações têm bases neurofisiológicas específicas, e as estruturas encefálicas que compõem o sistema de inibição comportamental e o sistema cerebral aversivo podem ser entendidos como uma organização de níveis de defesa distintos.1

O sistema de inibição comportamental é formado por circuito de Papez septo-hipocampal, corpo mamilar, tálamo anteroventral e córtex do cíngulo, córtex pré-frontal e vias noradrenérgicas, dopaminérgicas e serotoninérgicas ascendentes. O sistema cerebral aversivo é formado por substância cinzenta periaquedutal, hipotálamo medial e amígdala, responsável pela elaboração das manifestações psicológicas e fisiológicas de estados motivacionais negativos quando recebem informações sensoriais ameaçadoras do ambiente externo ou interno.1

O primeiro nível de defesa seria ativado por situações potencialmente perigosas (situações novas desconhecidas ou similares às situações ameaçadoras anteriores). Nessas circunstâncias, o animal apresenta um comportamento exploratório cauteloso, denominado comportamento de avaliação de risco.2

O sistema septo-hipocampal parece ser a principal estrutura envolvida no primeiro nível de defesa e exerce função de comparação de informações provenientes do ambiente, via córtex entorrinal, com a predição gerada pelo circuito de Papez, que levaria em conta as memórias armazenadas no lobo temporal e o planejamento elaborado pelo córtex pré-frontal.2

Se houver acordo entre os estímulos percebidos e as predições, o comportamento é mantido. Porém, se for detectada discordância entre o estímulo real e o esperado, ou se houver antecipação de evento aversivo, há mudança no modo de funcionamento do sistema, que passa de comparador para controlador, gerando inibição comportamental.2

O segundo nível de defesa seria ativado quando os sinais de perigo são explícitos, mas ainda distantes, gerando reação de imobilidade tensa (congelamento), ocorrendo quando o sujeito não tem como escapar da situação. Estudos de reação de congelamento induzido por estimulação cerebral elétrica sugerem que o circuito constituído pela substância cinzenta periaquedutal, núcleo mediano da rafe e sistema septo-hipocampal seja o responsável por essa reação.

Já o terceiro nível de defesa ocorre quando o estímulo ameaçador está muito próximo ou em contato direto, desencadeando o comportamento de luta ou fuga. Essa defesa é mediada pelo sistema cerebral aversivo, no qual a amígdala, que possui conexões tanto com o neocórtex quanto com estruturas límbicas mais profundas, funcionaria como uma interface sensório-emocional, dando um colorido afetivo/motivacional às informações sensoriais provenientes do meio externo por intermédio das áreas associativas do neocórtex.

Na ansiedade não patológica, as preocupações da vida diária não são excessivas, e a pessoa consegue controlá-las de alguma forma. Nela, a presença de sintomas físicos é bem menos frequente e não há grandes impactos no funcionamento global do indivíduo.3

O conceito de transtorno de ansiedade é diferenciado do medo ou da ansiedade normais por apresentar esses sintomas em níveis excessivos, por persistir além de períodos apropriados e, finalmente, por causar sofrimento excessivo ou prejuízo funcional.3

Os transtornos de ansiedade são sempre encontrados como a classe mais comum de transtornos mentais em qualquer faixa etária.4 A fobia específica é consistentemente estimada como o transtorno mais prevalente, variando de 6 a 12% da população, porém pode exercer menor impacto na vida do paciente, ao passo que ele passa a se esquivar das situações em que pode ser exposto ao objeto fóbico, motivo pelo qual o transtorno não é a queixa mais comum nos consultórios.5

O transtorno de ansiedade social (TAStranstorno de ansiedade social) tipicamente segue a fobia específica, com prevalência de cerca de 10% da população, com alto índice de subdiagnóstico também. A agorafobia sem história de transtorno do pânico geralmente é estimada em cerca de 2%; distúrbio de ansiedade por separação da infância, de 2 a 3%. Estudos mostram maior variabilidade na prevalência do transtorno de ansiedade generalizada (TAGtranstorno de ansiedade generalizada) (de 3 a 5%) e do transtorno do pânico (de 2 a 5%), porém eles são os transtornos ansiosos que mais levam o paciente a procurar ajuda médica.5

Além da alta prevalência, os transtornos ansiosos têm idade de início muito mais precoce do que a maioria dos outros transtornos mentais e geram o maior impacto econômico entre todos.6 Isso se deve ao fato de esse início precoce se associar à instalação de outros distúrbios mentais e ao uso de substâncias. Associam-se também com outras complicações clínicas, inclusive com doenças cardiovasculares, como alto risco de mortalidade cardiovascular, doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca.7

Os transtornos ansiosos também apresentam alto custo social, como redução da escolaridade, casamento precoce, instabilidade conjugal, baixo nível de emprego e pior situação financeira. Apesar de todas essas consequências, a maioria dos indivíduos apresenta um intervalo de 10 anos ou mais após início dos sintomas para ter acesso ao tratamento.8

O panorama de alta prevalência, início precoce, alta incidência de comorbidades psiquiátricas, alta incidência de comorbidades clínicas, presença de sintomas somáticos que fazem diagnóstico diferencial com doenças da clínica médica e alto impacto socioeconômico tornam o reconhecimento e o manejo correto dos transtornos ansiosos de extrema importância.

Nota da Editora: os medicamentos que estiverem com um asterisco (*) ao lado estão detalhados no Suplemento constante no final deste volume.

  • Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • identificar e abordar os sintomas ansiosos em situações de pronto atendimento clínico;
  • realizar o diagnóstico diferencial entre crise de pânico, transtorno de pânico e exacerbação de sintomas ansiosos;
  • reconhecer e diferenciar a ansiedade normal da ansiedade patológica;
  • realizar o diagnóstico diferencial dos transtornos ansiosos com condições clínicas;
  • pesquisar e identificar comorbidades psiquiátricas quando diagnosticar um transtorno ansioso;
  • conduzir o tratamento ambulatorial do transtorno de pânico e do TAGtranstorno de ansiedade generalizada.

 

  • Esquema conceitual
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