Introdução
Segundo a Associação Americana de Psicologia (em inglês, American Psychological Association [APA])1 a estimativa populacional das pessoas trans varia de 0,17 a 1,333 por 100 mil habitantes. No entanto, provavelmente, essa estimativa subnotifica o número real de pessoas trans, dadas as dificuldades em coletar informações demográficas abrangentes a respeito dessa população.2
Incluída na categoria LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, entre outras diversidades afetivossexuais), a população em trânsito de sexo e gênero requer atenção específica.
Neste capítulo, é utilizado o termo “pessoa trans” para se referir a pessoas cuja identidade de gênero e/ou expressão de gênero não está completamente alinhada ao gênero que lhes foi designado no nascimento a partir do sexo biológico.3 A escolha desse conceito se ampara em uma perspectiva despatologizante, propondo ampliar as definições acerca do gênero, de modo a abranger suas construções e desconstruções, sem delimitar novas fronteiras entre as identidades de gênero, mas buscando um termo o mais amplo e inclusivo possível.1,4–6
A proposta conceitual apresentada é importante para romper com os discursos patologizantes, concretizados em manuais diagnósticos, que categorizavam as pessoas trans como portadoras de transtornos mentais, como a Classificação Internacional de Doenças/Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), tais como “transexualismo”, “transtorno de identidade de sexual”, “distúrbio de identidade de gênero”.7–9
A intenção da proposta conceitual apresentada é se distanciar de categorizações normatizantes, excludentes e psicopatologizantes, que possam dificultar a promoção de políticas públicas de saúde e a inclusão psicossocioeducacional e cultural da pessoa trans.7–9
O cuidado à saúde dessa população no Brasil segue os princípios de saúde integral, não restrita à ausência de doença, mas considerando o sofrimento psíquico e corporal sem que, necessariamente, esse sofrimento precise ser patologizado.10 A integralidade é um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e remete a uma compreensão abrangente do ser humano, para atender às suas necessidades. A Constituição Federal de 1988 (CF/88)11 garante a todos os cidadãos o direito à saúde, em seu Artigo 6º, entre outros direitos sociais. Essa compreensão vai ao encontro da definição de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), que compreende a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade, mas uma vida com qualidade”.12
O conceito de saúde apresentado engloba a característica da multidimensionalidade e da subjetividade, reforçando a importância do desenvolvimento dos estudos qualitativos no campo da saúde.13
Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- explicar os conceitos despatologizantes da diversidade sexual e de gênero;
- compreender a vivência da pessoa trans em sua complexidade;
- explicar as diversas etapas do cuidado à saúde da pessoa trans, assim como visualizar a importância de um cuidado multidisciplinar e subjetivo.