Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- relacionar a hiperglicemia perioperatória ao diabetes;
- classificar e diagnostificar o diabetes;
- identificar os alvos glicêmicos preconizados por diferentes organizações;
- realizar o manejo perioperatório de pacientes diabéticos submetidos a diferentes tipos de cirurgia;
- descrever as orientações para o uso da bomba de insulina no período perioperatório;
- prevenir e manejar a hipoglicemia perioperatória;
- reconhecer o potencial benefício da monitoração contínua da glicose (CGM, do inglês, continuous glucose monitoring) em ambiente hospitalar;
- discutir a segurança dos pacientes diabéticos no hospital.
Esquema conceitual
Introdução
O diabetes melito (DM) é um dos desafios de saúde de mais rápido crescimento no século XXI. O número de adultos vivendo com diabetes mais do que triplicou nos últimos 20 anos. Em 2000, a estimativa de adultos diabéticos era de 151 milhões. Em 2009, houve um crescimento de 88%, e esse número chegou a 285 milhões. Calcula-se que, em 2019, 463 milhões de indivíduos vivessem com diabetes, um total de 9,3% dos adultos do mundo entre 20 e 79 anos.1
Mais de 25% dos pacientes hospitalizados têm história de diabetes e estão sob alto risco de complicações relacionadas à hospitalização, como alta taxa de readmissão em 30 dias e mortalidade.2 A literatura mostra uma clara associação entre hiperglicemia perioperatória e resultado clínico adverso. O risco de complicações pós-operatórias e o aumento da mortalidade se relacionam com o controle glicêmico em longo prazo e com a gravidade da hiperglicemia na admissão e durante a estadia hospitalar.3–5
A principal alteração macroangiopática causada pelo diabetes é a aterosclerose. Por sua vez, retinopatia, nefropatia e neuropatia são alterações microangiopáticas decorrentes dessa doença. Ambos os tipos de alterações são responsáveis pelo aumento do risco de complicações cardiovasculares e infecções nesses pacientes.5–7
A avaliação e o manejo perioperatório dos pacientes diabéticos são de fundamental importância para o anestesiologista, em razão do risco de complicações e de doença cardíaca coronariana, muitas vezes, assintomática. Para tanto, é necessário o conhecimento da fisiopatologia do diabetes e de seus efeitos sistêmicos.2–7
O manejo cuidadoso dos pacientes diabéticos hospitalizados tem benefícios diretos e imediatos. Esse cuidado é facilitado pelo tratamento da hiperglicemia pré-hospitalar nos indivíduos submetidos a cirurgias de rotina e à transição criteriosa até a alta hospitalar.3,8
Evidências substanciais indicam que a correção da hiperglicemia com insulina diminui as complicações hospitalares e a mortalidade em cirurgias cardíacas e cirurgias em geral. Entretanto, o manejo ideal da glicemia durante o período perioperatório é amplamente debatido. O pêndulo atual do cuidado intra-hospitalar tem sido movido em direção a alvos moderados e individualizados da glicemia, enquanto se minimiza o grau e a duração da hiperglicemia, da hipoglicemia e da variabilidade glicêmica.2,3,6,8
A introdução de diferentes classes de antidiabéticos orais tem tornado a recomendação tradicional de suspender todos os tratamentos no dia da cirurgia excessivamente simples. Novos agentes, como os inibidores do cotransportador de sódio–glicose 2 (SGLT2, do inglês, sodium–glucose cotransporter 2), podem demandar períodos mais longos de suspensão. Outros medicamentos, por sua vez, podem continuar a ser administrados se os pacientes tiverem uma função renal adequada.2–4
Avanços na tecnologia, como a CGM e a infusão subcutânea (SC) contínua de insulina, permitem novas oportunidades de melhora do controle glicêmico, mas também carregam novos desafios. Sua efetividade ainda precisa ser determinada no período perioperatório.2–4