Introdução
O potencial de ação cardíaco é orquestrado por canais iônicos moleculares, responsável pelo início e pela condução do estímulo cardíaco. Os defeitos desses canais, decorrentes de alterações genéticas ou de fatores secundários, como distúrbios eletrolíticos ou bloqueio farmacológico, podem gerar arritmias potencialmente fatais.
Quarenta por cento das mortes súbitas em jovens menores de 35 anos de idade não são elucidadas em autópsias. As canalopatias cardíacas são a principal suspeita em tais casos, frequentemente denominadas morte súbita arrítmica (MSA), representadas por síndrome do QT longo (SQTL), síndrome de Brugada (SBr) e taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica (TVPC). Com menor frequência, há também a síndrome do QT curto (SQTC) e a síndrome da repolarização precoce (SRP).1
As canalopatias cardíacas são subestimadas, apesar de o diagnóstico ser feito a partir de um simples eletrocardiograma (ECG) ou de teste ergométrico (especificamente para TVPC). A síncope, principal sintoma arrítmico de alarme, é comumente mal definida como convulsão ou síncope vasovagal, e essa interpretação é fundamental na tomada de decisões em pacientes com canalopatias. Os sinais de síncope presumivelmente arrítmica são ausência de pródromo e de sintomas residuais, que ocorrem durante esforço ou posição supina, presença de movimentos convulsivos e cianose.
Os pacientes com canalopatias podem apresentar morte súbita como primeira manifestação da doença e, portanto, o reconhecimento do diagnóstico e a estratificação de risco são fundamentais para orientação de medidas preventivas. Além disso, por causa do padrão autossômico dominante (raramente recessivo) das canalopatias cardíacas, o exame de DNA e a consulta de aconselhamento genético tornam-se parte essencial do atendimento otimizado e multidisciplinar desses pacientes.
O objetivo deste capítulo é contemplar uma abordagem atualizada no diagnóstico e nos desafios terapêuticos das principais canalopatias cardíacas: SQTL, SBr, TVPC, SQTC e SRP.
Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- descrever os conceitos contemporâneos e em evolução das canalopatias;
- diagnosticar as canalopatias;
- listar os mecanismos celulares e a estratificação de risco das canalopatias;
- definir o tratamento das principais canalopatias cardíacas.