Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- descrever o mecanismo de ação do cateter nasal de alto fluxo (CNAF) na fisiopatologia da insuficiência respiratória aguda (IrPA) hipoxêmica;
- reconhecer as indicações do CNAF para o tratamento da IrPA;
- descrever o bom manejo do CNAF durante o tratamento da IrPA hipoxêmica;
- avaliar critérios de falha do CNAF indicando um escalonamento da\ terapia;
- listar outras indicações da utilização do CNAF.
Esquema conceitual
Introdução
A IrPA é uma das principais causas de internação em unidade de terapia intensiva (UTI)1 cuja fisiopatologia pode ser resultante de falência de musculatura respiratória, como ocorre na exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), bem como de injúria pulmonar aguda secundária à pneumonia ou síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), chamada insuficiência respiratória hipoxêmica. Nesse caso, os principais mecanismos fisiopatológicos da hipoxemia são aumento da permeabilidade vascular, preenchimento alveolar de líquido inflamatório e perda de tecido aerado com formação de áreas de shunt.2
O tratamento da IrPA inclui uma escalada de possíveis terapias de suporte respiratório visando corrigir a hipoxemia com oxigênio, realizar recrutamento de unidades alveolares e diminuir o esforço respiratório, a depender do quadro clínico do paciente.3–5
Evitar a intubação orotraqueal (IOT) é essencial, uma vez que esse procedimento não é isento de riscos e complicações.3–5
A terapia com CNAF e a ventilação não invasiva com pressão positiva (VNIPP) são usadas para suporte respiratório em pacientes com IrPA. O CNAF é um método mais recente de suporte respiratório inicial que permite o fornecimento de alto fluxo de gás contínuo (até 70L/min) por meio de cateter nasal, alta fração inspirada de oxigênio (FiO2) e baixa pressão positiva expiratória final (PEEP).6,7 Tem-se usado a VNIPP para evitar a intubação na chegada à UTI em 20% dos pacientes com IrPA em geral.8
O alto índice de falha de terapia com necessidade de IOT nos pacientes com IrPA hipoxêmica fez com que os últimos consensos da European Respiratory Society (ERS) e da American Thoracic Society (ATS) não recomendassem a utilização da VNIPP nesses casos.9
Estudo recente sugeriu, em análise de subgrupo post-hoc, que a terapia com CNAF diminui a taxa de intubação em 28 dias em pacientes mais graves com IrPA hipoxêmica quando comparado à VNIPP.10
A utilização de CNAF cresceu substancialmente durante a pandemia de COVID-19, com registro de utilização de 6% como terapia única e 9% associado à VNIPP em registro brasileiro durante o ano de 2020,11 porém a sua utilização atinge 47% dos pacientes internados em UTI com indicação de terapias não invasivas em registro do Reino Unido.12 Ao ser comparada com o oxigênio de baixo fluxo convencional em pacientes graves com COVID-19, o CNAF diminuiu em 16% a taxa absoluta de IOT em 28 dias.13
O CNAF
- melhora a oxigenação, garantindo o fornecimento de uma FiO2 estável mesmo com a boca aberta;7
- supre o aumento da demanda de fluxo inspiratório de ar presente na IrPA, diminuindo o arrastamento do ar ambiente (AA) e a consequente diluição da FiO2 fornecida;6
- aumenta a depuração de gás carbônico da via aérea superior, diminuindo o espaço morto anatômico;14
- reduz o trabalho respiratório e a frequência respiratória (FR); 15
- aumenta a pressão faríngea e o volume pulmonar, contribuindo para o efeito PEEP — embora de menor magnitude em comparação com a ventilação com pressão positiva intermitente nasal (NIPPV).16
Além disso, o CNAF contribui para melhor conforto do paciente, permitindo que ele coma, beba e fale sem a interrupção da terapia.10,17
Dois consensos de especialistas recentes recomendam o uso de CNAF na IrPA hipoxêmica quando comparada ao oxigênio de baixo fluxo convencional e à VNIPP, apesar de haver uma qualidade de evidência muito baixa para a comparação com a VNIPP.18,19