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COMPETÊNCIAS DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE E DOS COMITÊS DE MORTALIDADE COMO ESTRATÉGIAS PARA REDUÇÃO DA MORBIDADE E DA MORTALIDADE MATERNA NO BRASIL

Maria Cristina de Camargo Fonseca

Isa Maria Nunes

Luciano Marques dos Santos

epub-BR-PROENF-SMN-C12V2_Artigo3

Introdução

A saúde materna é um fenômeno social e econômico, não apenas um problema clínico,1 e o contexto e o ambiente em que a mulher e sua família vivem têm efeito importante nos desfechos do período gravídico–puerperal.2

As taxas de morbidade na gravidez e no parto são significativas, assim como doenças e/ou complicações que tenham impacto negativo no bem-estar e/ou na funcionalidade da mulher.3 Globalmente, a incidência de doenças maternas foi estimada em quase 80 milhões de casos em 2017,4 estando a morbidade materna associada a custos significativos para os sistemas de saúde e para a sociedade.5

Os efeitos da morbidade materna estendem-se além do físico ou psicológico para também sociais e econômicos. Estudo realizado no Sri Lanka com mulheres grávidas revelou que 90% delas relataram ao menos um episódio de percepção de problemas de saúde durante a gravidez e 83,8% apresentavam problemas que afetavam sua vida diária 26% relataram precisar de outra pessoa para substituí-las em suas atividades de rotina. No entanto, 60% tinham estratégias de enfrentamento para recuperar a perda de produtividade, destacando-se a adaptação intrafamiliar e o uso de redes sociais de apoio.6

Além disso, a precariedade da saúde materna tem grande impacto na produtividade e na economia familiar, com destaque para as pequenas doenças.6 Complicações durante a gravidez, o parto e o puerpério, como hipertensão arterial sistêmica (HAShipertensão arterial sistêmica), hemorragia e causas indiretas, impactam na funcionalidade das mulheres até 5 anos após o parto.7

Assim, a saúde materna não se limita a um único evento de curta duração, sendo necessário compreender como gestações anteriores e experiências resultam em desfechos desfavoráveis na gravidez atual e futura.8

Resultados negativos relacionados à gravidez são destacados com base nas incapacidades subsequentes, incluindo a gravidade de como eles afetaram o estado funcional da mulher e sua duração. Além disso, mesmo sabendo que as sequelas da morbidade materna com origem na gravidez podem se manifestar em período que sucede o parto, capturar seu impacto negativo requer um período de referência mais longo do que o usado para a definição de óbito,9 assim como as sequelas de morbidades preexistentes.

Estudo realizado no Sri Lanka, em 2017, demonstrou que 39,6% das puérperas relataram, pelo menos, um episódio de doença pós-parto. As hospitalizações foram relatadas por 16,8% de todas as puérperas sintomáticas. Os sintomas mais comuns no pós-parto foram dor/infecção na episiotomia ou no local da cirurgia, dor abdominal inferior e dor nas costas. A perda de produtividade média por episódio de doença foi de 15 dias.10

Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de pandemia decorrente da nova síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), por infecção pelo coronavírus 2019 (COVID-19), que se tornou uma ameaça devastadora à saúde da população mundial.11 Mudanças fisiológicas e mecânicas na gravidez aumentam a suscetibilidade a infecções em geral, particularmente quando o sistema cardiorrespiratório é afetado, e encorajam a rápida progressão para insuficiência respiratória na gestante.12

Tal condição também afetou a saúde de mulheres no período gravídico–puerperal, e, no Brasil, do total de gestantes que evoluíram para óbito por causa da SARS-CoV-2 (135 óbitos), 65 (48,1%) apresentavam, pelo menos, um fator de risco ou comorbidade associados. As comorbidades ou fatores de risco mais frequentes foram13

 

  • diabetes melito ([DM] 16,3%);
  • doença cardiovascular (DCV) crônica (13,3%);
  • obesidade (11,9%);
  • HAShipertensão arterial sistêmica (5,9%);
  • asma (3%);
  • doença renal (3%).

Das gestantes que evoluíram para óbito em decorrência da COVID-19, 74 (54,8%) foram internadas em unidade de terapia intensiva (UTI). Dessas, 54 (73%) fizeram uso de suporte ventilatório invasivo.13

Além de impactar na funcionalidade e na produtividade na saúde da mulher durante a gravidez, o parto e o puerpério, as morbidades nesse período podem contribuir, em algum grau, com a ocorrência de morte materna. Por isso é primordial que esses eventos sejam considerados como indicadores a serem monitorados durante o período gravídico–puerperal nos serviços de saúde.

Sabendo-se que a mortalidade e a morbidade materna grave são cada vez mais reconhecidas como indicadores da qualidade da atenção obstétrica tanto nos sistemas de saúde quanto para o indivíduo,3,14 a adequada vigilância do óbito materno (VOMvigilância do óbito materno) torna-se fundamental para reorganizar o cuidado à mulher no período gravídico–puerperal.

As instâncias estratégicas para análise das circunstâncias de cada óbito materno (OMóbito materno) são os comitês de mortalidade materna (CMMcomitê de mortalidade maternas). No Brasil, a implantação dessas instâncias em nível municipal e estadual foi estabelecida pelo Ministério da Saúde (MS) com o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (OpasOrganização Pan-Americana da Saúde) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no final da década de 1980. Trata-se de instâncias que congregam instituições governamentais, sociedade civil organizada e universidades, todas relacionadas à área da saúde da mulher, cujos objetivos principais são identificar a magnitude da mortalidade materna, suas causas e determinantes, além de propor medidas que contribuam com a prevenção de mortes maternas evitáveis e seu monitoramento.15

Tendo em vista que a morte materna é uma das complicações mais devastadoras em obstetrícia, com implicações abrangentes tanto para a família quanto para a equipe envolvida,16 sua análise é primordial na identificação de problemas existentes na rede de atenção à saúde (RAS) e na adoção de ações que possam melhorar a qualidade da assistência oferecida às mulheres.17

Criar e fortalecer CMMcomitê de mortalidade maternas nos âmbitos nacional, regional, estadual, municipal e hospitalar se constitui em importante estratégia para a prevenção do OMóbito materno.15 Na realidade brasileira, os CMMcomitê de mortalidade maternas estaduais representam relevantes espaços para debate, levantamento de problemas relativos à VOMvigilância do óbito materno e proposição de ações nessa área.

Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • listar os indicadores para a identificação do near miss materno;
  • descrever as estratégias para a redução da mortalidade materna;
  • identificar as ações da vigilância epidemiológica na investigação do OMóbito materno. ```html

Esquema conceitual

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