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DESENVOLVIMENTO DE TERAPIAS MODIFICADORAS DA DOENÇA DE ALZHEIMER

Autores: Paulo Caramelli, Danielle Calil de Sousa
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Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • revisar os aspectos fisiopatológicos da doença de Alzheimer (DA) para melhor compreender os alvos terapêuticos estudados;
  • discutir o cenário atual de pesquisa de fármacos modificadores da DA, percorrendo os aprendizados científicos ao longo dessa jornada;
  • descrever os principais estudos publicados e envolvidos na área de pesquisa de fármacos modificadores da DA;
  • revisitar os aspectos da controversa aprovação do aducanumabe pela agência americana Food and Drug Administration (FDA);
  • revisitar a aprovação do lecanemabe, segunda imunoterapia passiva aprovada pela FDA;
  • identificar os possíveis acertos para o desenvolvimento de um tratamento modificador efetivo e seguro para a DA.

Esquema conceitual

Introdução

A DA, causa mais comum de demência, apresenta etiologia responsável por 60 a 80% dos casos de síndrome demencial na população geral.1 É uma doença neurodegenerativa, sem cura e com curso progressivo. Clinicamente, é caracterizada por comprometimento cognitivo (principalmente em domínios como memória episódica, linguagem e habilidades visuoespaciais) e por transtornos comportamentais.

Além de alterações cognitivas e comportamentais, os indivíduos com DA apresentam prejuízo ocupacional e social que impacta negativamente na funcionalidade e qualidade de vida (QV).

Em pesquisa publicada em 2019 e realizada por colaboradores da Global Burden of Diseases (GBD),2 observou-se aumento superior ao dobro no número global de indivíduos com demência entre 1990 e 2016. Esse aumento tem correlação íntima com o envelhecimento populacional.3

De acordo com dados do Ministério da Saúde (MS) do Brasil, o número de hospitalizações em decorrência da DA e o custo econômico atrelado aumentaram em 88 e 44%, respectivamente, de 2010 a 2019.3 O aumento da incidência, da prevalência e da mortalidade causada pela DA provoca significativas repercussões socioeconômicas, de forma que a doença é muito desafiadora para a saúde pública.

Por muito tempo, o diagnóstico definitivo de DA ocorria apenas por meio de estudos anatomopatológicos post-mortem, nos quais eram identificados seus principais marcos patológicos:

  • presença de depósitos de placas β-amiloide (Aβ) extracelulares;
  • emaranhados neurofibrilares intraneuronais formados pela proteína tau hiperfosforilada.

Com o desenvolvimento de biomarcadores, houve mudança significativa dos procedimentos de avaliação clínica, o que permitiu a definição do diagnóstico também in vivo.4

É bem estabelecido que o fenótipo de demência de predomínio amnéstico utilizado historicamente para definir a DA não é específico para predizer alterações patológicas da doença. Em contrapartida, a ausência da síndrome não exclui a ocorrência de alterações patológicas da DA. A presença de biomarcadores, portanto, possibilitou uma mudança na definição da DA, que pode não ser definida apenas por parâmetros clínicos, mas também como um diagnóstico biológico.

Os avanços em pesquisa sobre a fisiopatologia da DA por meio de estudos genéticos, neuropatológicos e com biomarcadores permitiram melhores análises diagnósticas, assim como o desenvolvimento de terapias que podem modificar o curso natural da doença. Há três grupos importantes de biomarcadores para definição de DA, esquematizados pelo sistema AT(N),4 em que A refere-se à patologia associada à proteína Aβ, T relaciona-se à patologia tau e (N), a processos de neurodegeneração.

Atualmente, o arsenal terapêutico disponível ainda atua apenas no controle dos sintomas da demência decorrente da DA, isto é, não exerce influência sobre os mecanismos moleculares da doença, apesar de proporcionar benefícios — mesmo que modestos — nos sintomas cognitivos, comportamentais e funcionais. Consiste em duas classes distintas de medicamentos: inibidores de colinesterase e um fármaco antagonista de receptor N-metil-D-aspartato (NMDA).

A hipótese fisiopatológica melhor aceita para explicar o desenvolvimento da DA é a da cascata amiloide. Existem diversas evidências diretas e indiretas obtidas por meio de estudos patológicos, genéticos e de biomarcadores que dão apoio a essa teoria.

Ao longo do tempo, houve diversas tentativas de desenvolvimento de novas medicações direcionadas a diferentes alvos terapêuticos relacionados à fisiopatologia da DA. O principal alvo terapêutico estudado foi e continua sendo a proteína Aβ, um dos grandes marcos da fisiopatologia da doença.

Desde 2003 até recentemente, não havia outra terapia farmacológica da DA que tivesse sido aprovada pela agência reguladora estadunidense FDA. Esse panorama mudou em 7 de junho de 2021, com a aprovação do aducanumabe, em caráter excepcional.5 Vale ressaltar, entretanto, que essa aprovação foi cercada de muitas controvérsias e que outras agências regulatórias, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a European Medicine Agency (EMA), indeferiram o uso da medicação em razão de falta de comprovação quanto à eficácia clínica.5

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