Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- avaliar o desenvolvimento infantil como um processo complexo, mas passível de ser mensurado;
- revisar as condições necessárias ao bom desenvolvimento infantil;
- verificar a importância da neuroplasticidade cerebral para o desenvolvimento infantil;
- descrever como a prematuridade e a asfixia perinatal podem afetar o desenvolvimento infantil;
- identificar fatores ambientais que podem afetar o desenvolvimento infantil;
- analisar a importância da atuação do pediatra nessa relevante questão de saúde pública.
Esquema conceitual
Introdução
O termo desenvolvimento conota um processo progressivo e extremamente complexo de crescimento e aumento das capacidades de compreensão, assim como a aquisição de novas habilidades e respostas mais sofisticadas e evoluções no comportamento.1 Trata-se de um processo dinâmico e contínuo no qual mudanças físicas, sociais, emocionais e mentais ocorrem sequencialmente, levando ao domínio satisfatório de cada etapa de movimento, fala, nível de pensamento e habilidade de se relacionar com seus pares e outras pessoas.2
Para que o desenvolvimento ocorra de forma normal, a criança necessitará de um sistema nervoso íntegro que funcione normalmente e de um ambiente que lhe forneça uma adequada nutrição em todos os estágios de desenvolvimento, desde a concepção, passando pela gestação e pelo nascimento até o ulterior crescimento e desenvolvimento. A criança também necessitará de oportunidades para aprender e agir, desafios e recompensas, ou seja, estímulos.1
O pressuposto do ambiente normal e rico em experiências sensoriais para que o cérebro se desenvolva plenamente é consensual na literatura. Assim, a privação pode levar a prejuízos nesse desenvolvimento, sendo que, durante seu desenvolvimento, o cérebro é mais suscetível aos efeitos e danos da privação sensorial, ainda que se recupere de forma potencialmente mais fácil do que quando maduro.3 Dessa forma, quatro princípios básicos permeiam o desenvolvimento:2
- sequência (padrão normativo para cada espécie determinado geneticamente);
- diferenciação (qualidade de maturação dos processos fisiológicos);
- ritmo (velocidade de maturação dos processos fisiológicos) — a diferenciação e o ritmo são variáveis e levam ao quarto princípio;
- peculiaridade (influenciada por fatores genéticos, biológicos e ambientais), gerando o desenvolvimento ideográfico (característica única peculiar) ou produto/desfecho final individual de desenvolvimento.
O fator de risco pode ser definido como um fator que aumenta a vulnerabilidade de uma pessoa ou de um grupo para desenvolver problemas. Os fatores de proteção são aspectos que favorecem um desfecho favorável.
Existe um equilíbrio entre os fatores de risco e os fatores de proteção. Quando os fatores de risco se sobrepõem aos fatores de proteção, as chances de desvios no desenvolvimento se elevam.2
Os contextos biológicos adversos — como a prematuridade4–9 e a asfixia perinatal10 — destacam-se entre os fatores no período perinatal e neonatal que trazem um risco maior de alterações e atrasos para o desenvolvimento da criança, resultando em desfechos diversos a depender de condições multifatoriais (genéticas, sociais imediatas, psicológicas) e específicas ao organismo (microssistema) e da sua interação com o contexto ambiental mais amplo (macrossistema), particularmente a falta e/ou o excesso de estimulação da criança. Assim, tanto o microssistema como o macrossistema, individualmente ou em conjunto, geram fatores de risco e fatores de proteção.
O contexto biológico adverso é entendido como qualquer fator biológico individual, materno ou paterno, desde a concepção até a adolescência, que se constitua como fator de risco para o desenvolvimento.
Tanto a prematuridade como a asfixia perinatal geram outras morbidades multissistêmicas, que se configuram como riscos múltiplos, cuja soma e acúmulo elevam os riscos para transtornos do desenvolvimento (TD), transtornos sensoriais (TS) e paralisia cerebral (PC).2,11,12 A intensa neuroplasticidade nos primeiros anos de vida é a responsável por resultados mais favoráveis no desenvolvimento mediante intervenção precoce, adequada e necessária, quando se detectam alterações ou atrasos no desenvolvimento infantil em suas várias e inter-relacionadas áreas.13,14
Os serviços de seguimento ambulatorial para essa população, consensualmente de alto risco para evoluções adversas em seu desenvolvimento, são necessários para vigilância, triagem e diagnóstico do TD, e/ou do TS e/ou da PC. Assim, esses serviços devem ser multiprofissionais e de atuação interdisciplinar, a fim de contemplar as demandas e intervenções fundamentais à minimização de sequelas e o oportuno tratamento, viabilizando a real inclusão da criança na sociedade como indivíduo participativo, produtivo e, sobretudo, saudável.
Ninguém melhor do que o pediatra para gerenciar esse atendimento integral, promovendo o diálogo entre os pares profissionais da área da saúde, os profissionais da área da educação, as outras áreas que se façam importantes e os pais e/ou cuidadores primários e responsáveis legais por essas crianças.
Neste capítulo, serão verificadas questões de alta relevância no desenvolvimento infantil mediante os constructos da prematuridade e da asfixia perinatal — que são fatores de alta prevalência e incidência nos cenários nacional e mundial, podendo impactar negativamente essa criança e sua respectiva família — e a forma pela qual o pediatra pode atuar positivamente, inclusive fomentando fatores de proteção.