- Introdução
A hipoglicemia neonatal é uma das anormalidades bioquímicas mais prevalentes no recém-nascido e continua sendo uma importante causa de morbidade em neonatos e lactentes. Uma compreensão adequada dos mecanismos moleculares que levam à hipoglicemia e uma identificação rápida de suas causas são fundamentais para a instituição do tratamento específico.
A hipoglicemia é um distúrbio com diversas potenciais etiologias, incluindo causas ambientais e hereditárias, que podem ter apresentação isolada ou fazer parte de uma síndrome clínica. Uma ampla gama de condições genéticas está relacionada à hipoglicemia, incluindo erros inatos do metabolismo, síndromes dismorfológicas, quadros relacionados ao hiperinsulinismo primário, entre outros.
Um suprimento contínuo de glicose é essencial ao metabolismo cerebral. A identificação da causa específica da hipoglicemia é importante para permitir a instituição de tratamento adequado e diminuir o risco de lesão cerebral decorrente de hipoglicemia grave persistente e recorrente.1,2,3,4
Os principais sinais que controlam a transição entre estados alimentados e em jejum são glicose, insulina e glucagon. Eles influenciam direta ou indiretamente as enzimas que regulam o metabolismo hepático de carboidratos e ácidos graxos e, assim, orientam os fluxos metabólicos para o armazenamento de energia ou para a liberação de substrato3,4. Múltiplas vias metabólicas estão combinadas para a manutenção adequada da glicemia, reguladas por diferentes hormônios como glucagon, epinefrina, cortisol e hormônio do crescimento (em inglês, growth hormone [GHhormônio do crescimento]).
A manutenção de um nível normal de glicose no sangue depende de:2,3
- sistemas enzimáticos de glicogenólise e gliconeogênese hepática funcionalmente intactos;
- suprimento adequado de substratos gliconeogênicos endógenos (aminoácidos, glicerol e lactato);
- fornecimento adequado de energia pela β-oxidação de ácidos graxos e cetogênese;
- um sistema endócrino normalmente funcionante para integrar e modular esses processos.
A insulina age suprimindo a glicogenólise hepática, a gliconeogênese, a lipólise e a cetogênese. Também causa a translocação de transportadores de glicose (GLUTs) no músculo e no tecido adiposo para aumentar sua captação de glicose. A epinefrina inibe a secreção e diminui a ação da insulina, estimula a produção de glicose hepática e renal e facilita a lipólise. O glucagon aumenta os níveis de glicose ativando a glicogenólise e a gliconeogênese. O cortisol e o GHhormônio do crescimento regulam o nível de glicose no sangue, aumentando a produção e diminuindo a utilização da glicose e promovendo a lipólise.
Durante o jejum, a glicose é gerada através da ativação da glicogenólise. À medida que o jejum progride, o nível plasmático de insulina diminui, enquanto o nível de glucagon aumenta. Quando os estoques de glicogênio no fígado estão esgotados, a gliconeogênese se torna a fonte predominante de produção de glicose. Lactato, glicerol, piruvato, aminoácidos (como alanina e glutamina) e ácidos graxos são os principais substratos gliconeogênicos utilizados para a produção de glicose, envolvendo múltiplas vias catabólicas.3,4
Nas últimas décadas, muitas novas descobertas nos campos da genômica e da biologia molecular impulsionaram a compreensão acerca das causas e os mecanismos da hipoglicemia de causa genética. Este capítulo tem como foco principal os defeitos metabólicos hereditários comumente associados à hipoglicemia no período neonatal.
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de
- revisar a propedêutica relacionada às causas hereditárias de hipoglicemia no recém-nascido em risco;
- identificar os principais sinais de alerta para causas hereditárias de hipoglicemia neonatal;
- descrever as principais causas genéticas de hipoglicemia neonatal;
- realizar a investigação apropriada e o manejo específico das causas genéticas de hipoglicemia neonatal.
- Esquema conceitual