Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- elaborar atestados e relatórios médicos com segurança e dentro das normas ético-legais vigentes;
- gerenciar a guarda e a elaboração do prontuário do paciente;
- certificar-se de que o prontuário eletrônico de sua clínica atende às resoluções vigentes de segurança e confidencialidade;
- ceder cópias de prontuários apenas a quem de direito, reduzindo o risco de quebrar o sigilo médico;
- emitir e preencher corretamente a declaração de óbito (DO) nos casos devidos;
- evitar preencher e assinar DO que exorbite sua competência, orientando familiares e equipe de saúde quanto ao correto encaminhamento da situação;
- mitigar o risco de lides judiciais quanto à sua responsabilidade profissional por inobservância da doutrina legal vigente.
Esquema conceitual
Introdução
O médico, desde o início de sua formação profissional, busca aprimorar seus conhecimentos técnicos e habilidades com o objetivo de melhor exercer sua profissão. Pode-se dizer, sem exageros, que o médico visa sempre oferecer o melhor tratamento para seu paciente. Ou seja, a dedicação à medicina, assim como as aspirações acadêmicas e científicas, muito embora possam produzir efeito positivo na remuneração e na realização profissional, impactam diretamente a qualidade de assistência aos pacientes.
Para o médico, muitas vezes parece ser suficiente ter uma boa formação acadêmica, manter-se atualizado cientificamente e, por consequência, colher os bons frutos da sua competência, construída por meio de muito esforço pessoal. Contudo, muitos colegas relegam a um segundo plano o aprofundamento no arcabouço legal que regulamenta a profissão médica.
Considerando que a interface da Justiça com a Medicina tem se expandido para muito além da atuação de médicos legistas e peritos médicos, resulta incontestável a necessidade de o cardiologista dominar suficientemente os conhecimentos atinentes a sua responsabilidade profissional. Essa necessidade não é apenas válida para o colega que labora em serviços de urgência/emergência ou de terapia intensiva, onde as atribulações do trabalho fragilizam sua condição.
Frequentemente, na suposta segurança e tranquilidade do seu consultório, a emissão de um atestado ou a falta de registro adequado em prontuário podem resultar em demandas judiciais que o cardiologista sequer poderia imaginar e que, invariavelmente, consomem psicológica e financeiramente o profissional que desconhecia as implicações legais de seu ato.
Não obstante o Código de Ética Médica (CEM)1 ter reservado o capítulo X para abordar o tema Documentos médicos, seus 12 artigos acerca do assunto não parecem ser suficientes para dirimir todas as dúvidas que permeiam a prática do cardiologista. Para tanto, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) têm exarado pareceres e resoluções que objetivam balizar e assegurar as boas práticas e oferecer segurança jurídica aos médicos brasileiros regularmente inscritos no CRM. Da mesma forma, o domínio pelo colega cardiologista da doutrina legal vinda do CFM pode requerer, adicionalmente, um certo conhecimento do Código Penal (CP) brasileiro2 e da mais recente Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, denominada Lei Geral de Proteção de Dados.3
Este capítulo não pretende apresentar um enfadonho compêndio de leis nem tampouco discutir dilemas ético-legais complexos e filosóficos. Pelo contrário, pretende expor as principais condutas na rotina dos documentos médicos do cardiologista, tanto no âmbito de seu consultório, quanto no âmbito hospitalar. Com conhecimento adequado desse arcabouço legal, o médico ficará mais pronto para lidar com as questões jurídicas da medicina.
O leitor poderá notar uma preponderância de pareceres exarados pelo CRM do Paraná (CRM-PR). Tal característica se deve ao fato de que esse Conselho Profissional auxiliou o autor deste capítulo a compilar a maioria dos documentos aqui discutidos. Entretanto, considerando que os pareceres são interpretações da legislação e das resoluções vigentes, não se observa discrepância nessa interpretação nos diferentes Estados, podendo tais documentos nortearem qualquer médico no Brasil. As Resoluções do CFM se aplicam a todos os médicos inscritos no território nacional, ao passo que as resoluções estaduais podem guardar certa particularidade de aquele CRM especificamente.
Os documentos médicos abordados neste capítulo são os atestados/relatórios, o prontuário e a declaração de óbito. Em concordância com as obras de alguns dos principais autores de Medicina Legal do Brasil,4–6 evitou-se o termo “laudo”, pois esse é um documento médico-legal confeccionado por perito. Apesar de o cardiologista poder atuar como perito, essa discussão foge ao escopo do presente trabalho.