Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, leitor será capaz de
- estabelecer o diagnóstico diferencial entre a DA e as condições não demenciais;
- interpretar os testes de rastreio para a queixa de dificuldade de memória;
- planejar a investigação complementar entre a DA e as condições não demenciais;
- prescrever o tratamento medicamentoso para a DA e avaliar seus possíveis efeitos;
- planejar o tratamento não medicamentoso da DA.
Esquema conceitual
Introdução
As demências estão entre as condições neurológicas mais comuns, sendo a segunda causa de condição neurológica, iniciando na idade adulta, atrás apenas da doença vascular. A doença de Alzheimer (DA) é a principal causa de demência, correspondendo de 50 a 70% dos casos desse grupo de doenças.1
Considerando as mudanças no perfil demográfico da população e os levantamentos epidemiológicos, há entre 1,5 milhão e 2 milhões de brasileiros com demência, a maioria dos quais com DA. Os custos da doença são elevados: para o Brasil, os custos diretos estão entre US$ 1.012,00 e 1.683,00 por mês, e os custos indiretos estão entre US$ 536,00 e 545,00 por mês, dependendo da gravidade da doença.2
Para fazer frente a esse desafio ao sistema de saúde, o tratamento da DA deverá focar na prevenção e no diagnóstico precoces, nas fases anteriores à demência propriamente dita, mas esse é um objetivo que ainda necessita de um longo tempo pela frente. Nesse sentido, no momento atual, há a necessidade de fazer o diagnóstico da DA o mais precoce possível e estabelecer planos terapêuticos adequados, que não envolvem apenas medicação.
NOTA DA EDITORA: os medicamentos que estiverem com um asterisco (*) ao lado estão detalhados no SUPLEMENTO constante no final deste volume.
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Mulher de 86 anos de idade, dona de casa, 8 anos de escolaridade, refere dificuldade de memória (ou de atenção) há 2 anos, sem interferência nas atividades da vida diária (AVDs).
A filha, que convive com a paciente, confirma que esta sempre foi desatenta, mas que, de 2 anos para cá, tem apresentado:
- dificuldade em reter informações (menor para informações relevantes);
- está muito repetitiva;
- dificuldade em achar objetos e palavras (em geral, a paciente encontra depois);
- ainda sai só;
- mantém atividades, como o tricô.
O interrogatório complementar indicava dislipidemia, tratada com atorvastatina (20mg/dia); hipertensão, tratada com enalapril (5mg/dia); e arritmia, tratada com amiodarona (200mg/dia). Como antecedente familiar, a paciente tinha apresentado alterações progressivas da memória e do comportamento.
A paciente tem uma história, confirmada por um informante confiável, de alteração da memória, que tanto pode ser da memória como da atenção. Como não há claro impacto nas atividades, não é possível falar em demência, que supõe história de progressivo déficit cognitivo em geral, mas não obrigatoriamente da memória, confirmada por avaliação objetiva, prejudicando as atividades do dia a dia.
Aqui há uma situação intermediária: as atividades estão mantidas, mas para algumas é necessário um esforço maior. Nessa situação, a avaliação objetiva da memória é ainda mais importante. O exame clínico mostrou eventuais extrassístoles, e o exame neurológico foi normal.
O exame da cognição foi iniciado com um rastreio com o miniexame do estado mental (MEEM). A paciente mostrou desorientação temporal, não lembrando dia, data e mês, perdeu 2 pontos no cálculo, não lembrou nenhuma das três palavras do teste na evocação a longo prazo e não cumpriu uma das etapas do comando verbal, obtendo um escore final de 21 pontos.
O teste foi complementado com um teste de memória verbal, no qual é apresentada uma lista de 10 palavras por três vezes em diferente ordem, para evocação imediata. Após, foi feita a evocação a longo prazo da lista. A paciente evocou 3, 3 e 5 palavras, contra o esperado de 4, 6 e 8 nas três tentativas sucessivas de evocação imediata.
Na evocação tardia, a paciente evocou apenas 1 palavra, com 4 intrusões, isto é, evocação de palavras que não estavam na lista. O mínimo esperado são 4 palavras sem intrusões. Além disso, foi testada a fluência verbal (categoria animais) com geração de 6 exemplares, contra um mínimo esperado de 14.
O resultado do teste do desenho do relógio é mostrado na Figura 1.
FIGURA 1: Teste do desenho do relógio: a distribuição dos números está prejudicada e há um ponteiro a mais. // Fonte: Arquivo de imagens do autor.
Esses resultados mostram alterações significativas na memória, linguagem e capacidade de planejamento, que são os domínios cognitivos que costumam alterar-se primeiro na DA. A informação é que a paciente mantém as atividades, embora com maior esforço, ou seja, tecnicamente está no estágio anterior ao da demência: o de comprometimento cognitivo leve (CCL). Esse desempenho, no contexto do CCL, indica risco de demenciação em um futuro próximo.3
Para o diagnóstico diferencial entre DA e outras demências, é possível usar marcadores biológicos. Há os marcadores de imagem estruturais (como ressonância magnética [RM]), os marcadores de imagem funcionais (como tomografia por emissão de pósitrons [PET] e cintilografia cerebral), de liquor (concentração de β-amiloide 42, tau e fosfo-tau) e genéticos. Os marcadores biológicos podem sugerir ou indicar risco aumentado de DA, mas não substituem o diagnóstico clínico.4
Os marcadores liquóricos — redução na concentração de β-amiloide 42 e aumento na concentração de tau e fosfo-tau — indicam que uma pessoa está dentro do espectro da DA, mas não fazem o diagnóstico de demência. Esses marcadores podem estar alterados até em pessoas sem nenhum sintoma, na fase pré-clínica da doença. Esses marcadores, fora do contexto de pesquisa, deveriam ser usados em:4
- pessoas com declínio cognitivo subjetivo em risco para DA;
- CCL ou demência da DA precoce (antes dos 65 anos);
- pessoas com apresentações atípicas de demência, nas quais o diagnóstico diferencial é mais difícil.
Foi solicitada uma RM de crânio para a paciente, cujo corte coronal é mostrado na Figura 2. Esse padrão de atrofia desproporcional dos hipocampos é sugestivo de DA, mas isoladamente não faz o diagnóstico.5
FIGURA 2: Corte coronal na RM de crânio. É possível observar a desproporção entre as fissuras silvianas, relativamente preservadas, e os hipocampos, mais atrofiados, correspondendo ao grau 2 na escala de atrofia temporal mesial (MTA) (do inglês, medial temporal lobe atrophy). // Fonte: Arquivo de imagens do autor.
Existem softwares para a medida de volume hipocampal e comparação com o volume total do cérebro, ou seja, para a identificação de atrofia desproporcional dos hipocampos, mas esse não é um programa disponível em larga escala. Como substituto, pode ser usada a escala de atrofia temporal mesial, que é uma escala visual de análise semiquantitativa, variando de 0 a 4 (Figura 3).5
FIGURA 3: Escala de atrofia temporal mesial — escores suspeitos ≥1 (< 65 anos; ≥1,5 (65-74); ≥2 (75-84); ≥3 (≥85). // Fonte: Claus e colaboradores (2017).5
Há uma correção na pontuação de acordo com a faixa de idade. Para os indivíduos com mais de 85 anos, uma pontuação acima de 2, como ocorre com a paciente, é suspeita, mas a sensibilidade nessa faixa de idade mais avançada é limitada.5
ATIVIDADES
1. Com relação à DA, assinale a afirmativa correta.
a As demências são a primeira causa de condição neurológica, iniciando na idade adulta.
b Os domínios cognitivos que costumam alterar-se primeiro na DA são a memória, a linguagem e a capacidade de planejamento.
c No Brasil, há entre 1,5 milhão e 2 milhões de indivíduos com DA.
d A demência supõe história de progressivo déficit cognitivo obrigatoriamente da memória.
Confira aqui a resposta
Resposta incorreta. A alternativa correta é a "B".
As demências estão entre as condições neurológicas mais comuns, sendo a segunda causa de condição neurológica iniciando na idade adulta, atrás apenas da doença vascular. Considerando as mudanças no perfil demográfico da população e os levantamentos epidemiológicos, há entre 1,5 e 2 milhões de brasileiros com demência, a maioria com DA. A demência supõe história de progressivo déficit cognitivo em geral, mas não obrigatoriamente da memória.
Resposta correta.
As demências estão entre as condições neurológicas mais comuns, sendo a segunda causa de condição neurológica iniciando na idade adulta, atrás apenas da doença vascular. Considerando as mudanças no perfil demográfico da população e os levantamentos epidemiológicos, há entre 1,5 e 2 milhões de brasileiros com demência, a maioria com DA. A demência supõe história de progressivo déficit cognitivo em geral, mas não obrigatoriamente da memória.
A alternativa correta é a "B".
As demências estão entre as condições neurológicas mais comuns, sendo a segunda causa de condição neurológica iniciando na idade adulta, atrás apenas da doença vascular. Considerando as mudanças no perfil demográfico da população e os levantamentos epidemiológicos, há entre 1,5 e 2 milhões de brasileiros com demência, a maioria com DA. A demência supõe história de progressivo déficit cognitivo em geral, mas não obrigatoriamente da memória.
2. Sobre o diagnóstico da DA e de outras demências, assinale V (verdadeiro) ou F (falso) nas afirmativas a seguir.
Os marcadores liquóricos indicam que uma pessoa está dentro do espectro da DA, mesmo na fase pré-clínica da doença.
Os marcadores biológicos podem sugerir ou indicar risco aumentado de DA, mas não substituem o diagnóstico clínico.
Existem softwares disponíveis em larga escala para a identificação de atrofia desproporcional dos hipocampos.
Há marcadores de imagem estruturais, de imagem funcionais, de liquor e genéticos.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.
a V — V — F — F
b F — F — V — V
c V — F — V — F
d F — V — F — V
Confira aqui a resposta
Resposta incorreta. A alternativa correta é a "D".
Os marcadores liquóricos indicam que uma pessoa está dentro do espectro da DA, mas não fazem o diagnóstico de demência, podendo estar alterados até em pessoas sem nenhum sintoma, na fase pré-clínica da doença. Existem softwares para medida de volume hipocampal e comparação com o volume total do cérebro, ou seja, para a identificação de atrofia desproporcional dos hipocampos, mas esse não é um programa disponível em larga escala.
Resposta correta.
Os marcadores liquóricos indicam que uma pessoa está dentro do espectro da DA, mas não fazem o diagnóstico de demência, podendo estar alterados até em pessoas sem nenhum sintoma, na fase pré-clínica da doença. Existem softwares para medida de volume hipocampal e comparação com o volume total do cérebro, ou seja, para a identificação de atrofia desproporcional dos hipocampos, mas esse não é um programa disponível em larga escala.
A alternativa correta é a "D".
Os marcadores liquóricos indicam que uma pessoa está dentro do espectro da DA, mas não fazem o diagnóstico de demência, podendo estar alterados até em pessoas sem nenhum sintoma, na fase pré-clínica da doença. Existem softwares para medida de volume hipocampal e comparação com o volume total do cérebro, ou seja, para a identificação de atrofia desproporcional dos hipocampos, mas esse não é um programa disponível em larga escala.