- Introdução
Desde o século XIX, a medicina ocidental trabalha com o foco voltado para os órgãos do corpo humano e suas patologias. Com o chamado modelo ontológico, a medicina ocidental entende as doenças como entidades abstratas e independentes.1
O desenvolvimento exagerado do modelo ontológico acarretou o distanciamento entre profissionais de saúde e os pacientes, ao mesmo tempo, garantiu a possibilidade de uma nova linguagem comum entre os profissionais e um poder de previsão clínica antes inimagináveis.1
A medicina de família e comunidade, partindo de uma visão da complexidade humana como base para sua atuação e muito calcada no método clínico centrado na pessoa, entende de forma fundamental que a abstração não é uma representação fiel da realidade, que “o mapa não é o território”.1 Essa abstração não impede a medicina de família e comunidade, porém, de usufruir dos ganhos do desenvolvimento biomédico, generalizando quando apropriado e particularizando as necessidades da pessoa que busca seus cuidados.
Na perspectiva apresentada, não se pode negar a utilidade do estudo de uma doença em seus aspectos gerais e abstratos — o que aqui será feito com a chamada doença do refluxo gastresofágico (DRGEdoença do refluxo gastresofágico) e uma de suas complicações, a esofagite. Curiosamente, a DRGEdoença do refluxo gastresofágico, logo de início, evidencia uma falha da biomedicina, ao não se encaixar bem em uma análise anátomo-histopatológica.
A caracterização imprecisa da DRGEdoença do refluxo gastresofágico, com zonas cinzentas entre normalidade e doença,2 leva a uma larga fundamentação em consensos, na busca da construção de uma linguagem comum. Mais do que isso, o diagnóstico da DRGEdoença do refluxo gastresofágico quase sempre é clínico e de comprovação por prova terapêutica, pois sua correlação com estudos complementares, como a medida do pH esofagiano, deixa muito a desejar.2
Essa última característica confunde, inclusive, o desenho dos próprios estudos, que, com frequência, são feitos a partir dos sintomas de pirose e de regurgitação, mas não da comprovação do refluxo anormal propriamente dito, inadvertidamente reunindo, em suas análises, outras doenças que, porventura, apresentem esses sintomas — distanciando ainda mais de um ideal taxonômico de discernimento claro entre entidades patológicas.3
Exceção deve ser feita à esofagite, cujo diagnóstico é eminentemente histopatológico, mais adequado ao paradigma biomédico. No geral, a esofagite pode ter várias etiologias — físicas, químicas e biológicas.3 Aqui, foca-se, especificamente, na chamada esofagite de refluxo e em sua causa, a DRGEdoença do refluxo gastresofágico.
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de
- identificar a anatomia, a fisiologia e as definições da DRGEdoença do refluxo gastresofágico;
- atualizar-se sobre o prognóstico e as complicações da DRGEdoença do refluxo gastresofágico;
- resumir a prevalência nacional e internacional da DRGEdoença do refluxo gastresofágico;
- explicar a relação entre a DRGEdoença do refluxo gastresofágico e os fatores de risco comumente citados;
- identificar as várias apresentações da DRGEdoença do refluxo gastresofágico e as suas particularidades;
- considerar os diagnósticos diferenciais mais importantes da DRGEdoença do refluxo gastresofágico;
- proceder à abordagem diagnóstica da DRGEdoença do refluxo gastresofágico, considerando a aplicação de exames complementares quando houver indicação;
- indicar os tratamentos não farmacológicos, farmacológicos e cirúrgicos da DRGEdoença do refluxo gastresofágico.
- Esquema conceitual