- Introdução
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças cardiovasculares (DCVdoença cardiovasculars) são as maiores causas de morte em todo o mundo, representando aproximadamente 31% da mortalidade global. A angina estável e instável, o infarto agudo do miocárdio (IAMinfarto agudo do miocárdio) e o acidente vascular cerebral (AVCacidente vascular cerebral) são as manifestações mais prevalentes de DCVdoença cardiovasculars, responsáveis por 85% dos óbitos no mundo causados por essas alterações.1 No Brasil, em 2015, mais de 30% das mortes em adultos foram decorrentes de complicações cardiovasculares.2
O Framingham Heart Study, estudo de coorte americano iniciado nos anos 1940 e ainda em seguimento, foi o primeiro a demonstrar os fatores de risco considerados clássicos para o desenvolvimento da doença arterial coronariana (DACdoença arterial coronariana). Entre eles, destacam-se os fatores de risco não modificáveis, como herança genética e história familiar de DCVdoença cardiovascular, e os modificáveis, como hipertensão arterial sistêmica (HAShipertensão arterial sistêmica), diabetes melito tipo 2 (DM2diabetes melito tipo 2), dislipidemias e obesidade.3
A contribuição dos fatores genéticos para o desenvolvimento de doenças crônicas, como DACdoença arterial coronariana, HAShipertensão arterial sistêmica, dislipidemias e obesidade, pode chegar a mais de 50%. Genes relacionados às formas monogênicas (mais raras) dessas doenças já haviam sido identificados anteriormente ao projeto do Genoma Humano. No entanto, essas complicações também podem ser caracterizadas como multifatoriais (ou poligênicas), pois um número significativo de alterações genéticas herdadas pode sofrer grande influência dos fatores ambientais — entre eles, a alimentação.4
Em todo o mundo, por exemplo, a melhora na qualidade da dieta — dos padrões globais atuais para um padrão alimentar mais saudável — proporcionaria a prevenção de aproximadamente 11 milhões de óbitos prematuros, dos quais 3,9 milhões ocorrem por DACdoença arterial coronariana e 1 milhão por AVCacidente vascular cerebral.5
De forma complementar à influência do genótipo sobre a resposta à dieta, a alimentação também pode exercer efeitos sobre o funcionamento do genoma. A dieta atende principalmente aos requisitos metabólicos e energéticos da homeostase da composição corporal, mas também pode exercer efeitos sobre a saúde humana (aumentando o risco para o desenvolvimento de doenças crônicas ou contribuindo para a prevenção dessas condições) por meio da regulação de processos celulares e moleculares específicos.6
Os nutrientes são considerados sinais alimentares capazes de afetar tanto a programação metabólica quanto a homeostase celular, alterando a expressão gênica e os processos subsequentes. Assim, padrões alimentares e nutrientes advindos da dieta influenciam a atividade dos genes, das proteínas expressadas e do metabolismo como um todo.6 Já foi demonstrado, por exemplo, que a dieta mediterrânea pode modular mais de 10 rotas metabólicas e a expressão/atividade de mais de 300 genes associados ao risco cardiovascular (RCVrisco cardiovascular).7
Assim, o entendimento do efeito da dieta e de nutrientes sobre fenótipos específicos em resposta a alterações genéticas herdadas que elevam o risco (ou protegem) de desenvolvimento de DACdoença arterial coronariana e seus fatores de risco é fundamental quando se considera a relevância da prevenção e do controle dessas doenças crônicas em nível de saúde pública.
Compreender de que forma a alimentação pode influenciar a atividade dos genes contribuindo para o manejo dessas condições clínicas é essencial, no sentido de que a adoção de um padrão alimentar saudável é indicação primária para prevenção e tratamento dos fatores de risco e das DCVdoença cardiovasculars.
- Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- discutir os conceitos de nutrigenômica, nutrigenética e epigenômica nutricional;
- descrever a interação entre genótipo e dieta no desenvolvimento dos fatores de RCVrisco cardiovascular (HAShipertensão arterial sistêmica, DM2diabetes melito tipo 2, dislipidemias e obesidade);
- identificar a influência da interação entre dieta e genótipo na prevenção primária de DCVdoença cardiovasculars;
- explicar as principais interações entre gene e nutriente na prevenção cardiovascular secundária;
- reconhecer testes genéticos para direcionamento da orientação dietética personalizada e de mudanças de estilo de vida na prática clínica.
- Esquema conceitual