Introdução
Em meados do século XIX, os principais mecanismos patológicos do tromboembolismo venoso (TEV) já tinham sido descobertos na famosa tríade de Virchow. No entanto, foi somente no início do século XX que houve um aparente consenso sobre os três fatores que contribuíam para a trombose, que são estase, alteração da parede vascular e hipercoagulabilidade.1,2
Por consequência, no mesmo período, surgiram importantes avanços terapêuticos, entre eles, os primeiros estudos com anticoagulantes parenterais, cuja primeira indicação foi da heparina na tromboprofilaxia em pacientes cirúrgicos e no tratamento de TEV.1–5 Na década de 1940, foram feitas as primeiras avaliações clínicas do uso de antagonistas da vitamina K (AVKs) como opção para anticoagulação oral.1–5
Em relação aos antiplaquetários, a utilidade terapêutica do efeito antiagregante do ácido acetilsalicílico (AAS) foi reconhecida na segunda metade do século XX. Seu benefício clínico foi mais claramente demonstrado em pacientes com angina instável e em grandes estudos de pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM), na década de 1980.6
O manejo da terapia antitrombótica sempre foi um grande desafio, com constante busca do equilíbrio entre os benefícios da redução da trombose e os riscos de sangramento. Uma vez identificados os benefícios do AAS, da heparina e do AVK, houve oportunidade para o desenvolvimento de novos antitrombóticos com atuação em outras vias que poderiam melhorar o perfil de eficácia e de segurança.
Durante décadas, a opção para anticoagulação na prática clínica resumiu-se ao uso de heparina (parenteral) e AVK (oral). Na década de 1980, a despolimerização da heparina gerou a obtenção das moléculas de baixo peso, que possibilitaram anticoagulação parenteral sem a necessidade de controle laboratorial. O posterior desenvolvimento sintético de moléculas como o fondaparinux, que são baseadas no segmento da heparina com ação anticoagulante (pentassacarídeo), permitiu minimizar ainda mais os possíveis efeitos colaterais da anticoagulação parenteral relacionados à interação com proteínas plasmáticas.1–5
Há, ainda, fármacos de ação direta por via parenteral, que são inibidores diretos da trombina (hirudina, bivalirudina e argatrobana) habitualmente não disponíveis no Brasil. Já em relação aos anticoagulantes orais, a descoberta de substâncias de ação direta (apixabana, dabigatrana, edoxabana e rivaroxabana) que demonstraram maior segurança possibilitou não apenas a substituição dos AVKs em muitos cenários clínicos (p. ex., TEV), mas também a identificação de outras indicações para anticoagulação oral (p. ex., doença arterial periférica).
Finalmente, nas últimas décadas, também foram desenvolvidos novos antiplaquetários que foram inicialmente testados em conjunto com o AAS, já que seria antiético retirar o AAS antes de provar a eficácia de uma alternativa terapêutica. Sequencialmente, foram testados e incorporados, na prática clínica, os seguintes antiplaquetários: inibidores da glicoproteína IIb/IIIa e depois os inibidores do receptor P2Y12 (clopidogrel, prasugrel, ticagrelor e cangrelor).
Antiplaquetários com novos mecanismos de ação têm sido desenvolvidos, e, embora ainda não incorporada à prática clínica nacional, uma classe que já reúne evidências robustas é a do inibidor específico do receptor de trombina na plaqueta (em inglês, peroxisome activated receptor 1 [PAR-1]).
Este capítulo apresentará uma revisão didática sobre as principais características dos mais recentes antitrombóticos (antiplaquetários e anticoagulantes) e sua aplicação prática de acordo com as atuais evidências.
Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- reconhecer o mecanismo de ação de cada antitrombótico;
- descrever as principais características e indicações dos novos antitrombóticos disponíveis;
- identificar novas condições clínicas em que há benefício do uso da terapia antitrombótica (antiplaquetários e anticoagulantes);
- indicar a seleção do esquema antitrombótico apropriado para cada perfil de paciente.