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OBESIDADE NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE

Isla Aguiar Paiva

epub-BR-PROPED-C10V1_Artigo

Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • definir sobrepeso e obesidade na faixa etária pediátrica;
  • revisar dados relevantes da anamnese e do exame físico da criança com obesidade;
  • solicitar exames complementares para rastreio e diagnóstico de comorbidades associadas;
  • realizar abordagem terapêutica, farmacoterápica e tratamento cirúrgico;
  • promover prevenção de sobrepeso e obesidade na faixa etária pediátrica;
  • propor intervenções em estilo de vida.

Esquema conceitual

Introdução

A obesidade infantil é um dos desafios de saúde pública mais graves do século XXI.1 De acordo com as estimativas da World Obesity Federation (WOF) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicadas no Atlas Mundial da Obesidade em 2019, 158 milhões de crianças de 5 a 19 anos estariam com obesidade no mundo em 2020, 206 milhões estariam com obesidade em 2025 e 254 milhões estariam com obesidade em 2030.2

No ranking de países com previsão de ter mais de 1 milhão de crianças e adolescentes com obesidade em 2030, o Brasil encontra-se na quinta posição. A projeção para o país é de 7.664.422 crianças de 5 a 19 anos com obesidade, com apenas 2% de chance de reverter essa situação se nada for feito.2,3

A pandemia de COVID-19 e os esforços para reduzir a sua transmissão provavelmente contribuíram para o agravamento da obesidade infantil nos últimos anos. O fechamento de escolas, as atividades físicas limitadas, as dificuldades econômicas e o aumento da insegurança alimentar afetaram muitas famílias, levando a uma maior dependência de alimentos mais processados e calóricos.4

Os fatores de risco para o ganho aumentado de peso — como rotinas familiares interrompidas, desregulação do sono, atividade física reduzida, aumento do tempo de tela, aumento do acesso a lanches não saudáveis e acesso menos consistente a refeições com porções adequadas na escola — estiveram presentes, em especial, para famílias economicamente mais desfavorecidas.4

As crianças e os adolescentes com sobrepeso e obesidade tendem a permanecer obesos na idade adulta e são mais propensos a desenvolver doenças crônicas em uma idade mais jovem, como diabetes e doenças cardiovasculares (DCVs). O sobrepeso, a obesidade e as suas doenças relacionadas são amplamente evitáveis. A prevenção da obesidade infantil, portanto, precisa de alta prioridade.1

Por meio da anamnese, geral e alimentar, e do exame físico, é possível identificar critérios para o diagnóstico de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes. O índice de massa corporal (IMC) é uma medida de fácil acesso para a triagem nutricional. Os exames complementares podem ser utilizados para a investigação de possíveis causas da obesidade e diagnóstico de comorbidades associadas.5,6

Recomenda-se uma abordagem em etapas para o tratamento da obesidade, iniciada na atenção primária, com promoção de um estilo de vida saudável, melhorando hábitos alimentares e de atividade física. A avaliação nutricional estruturada, a orientação para atividade física e de comportamentos sedentários e a higiene do sono são estratégias fundamentais para o tratamento.

No entanto, se a perda de peso não for suficiente após essas mudanças no estilo de vida, a associação da farmacoterapia pode ser necessária. A cirurgia bariátrica pode ser considerada uma alternativa terapêutica em adolescentes com obesidade grave e comorbidades com risco de vida.

1

Escolar de 7 anos e 3 meses de idade, sexo feminino, é trazida pela mãe para consulta com o pediatra por queixa de ganho excessivo de peso nos últimos 2 anos. A mãe relata início do aumento do ganho ponderal no segundo ano de vida, com piora no período da pandemia de COVID-19.

A anamnese dirigida evidenciou paciente nascida a termo (IG: 39 semanas e 3 dias), de parto vaginal, com peso de nascimento de 3.160g (AIG) e comprimento de nascimento de 50cm (AIG). Sem intercorrências no período neonatal, recebeu alta no segundo dia de vida.

Aleitamento materno misto até 4 meses de vida. Introdução da alimentação complementar nessa idade, associada a aleitamento artificial. Desenvolvimento neuropsicomotor normal. Cursando o segundo ano do ensino fundamental, em alfabetização.

O diário alimentar mostrou:

 

  • café da manhã às 8h30 com 1 pão e 1 copo de leite integral com achocolatado (2 colheres de sopa);
  • não faz colação;
  • às 11h30 almoço em casa com 4 colheres de sopa de arroz, 1 concha de feijão, 1 porção de carne, não aceita verduras e legumes, bebe frequentemente refrigerante;
  • às 15h lanche na escola com suco industrializado ou achocolatado em caixinha e biscoitos (doce recheado ou salgado industrializado);
  • jantar às 18h30, semelhante ao almoço, por vezes, com macarrão instantâneo e hambúrguer ou empanados de frango congelados;
  • ceia às 21h com 1 copo de leite integral e biscoitos.

Hábito intestinal de dias alternados, constipada, diurese normal. Sono de 9 horas de duração por dia. Refeições sentada à mesa, na cozinha, enquanto assiste a vídeos em tablet, com a supervisão da mãe, que almoça mais tarde. Tempo de tela de 5 horas por dia, com TV e vídeos em dispositivos eletrônicos móveis. Não pratica atividade física regular. Aos fins de semana, lazer em playground no shopping.

Ao exame físico, observaram-se:

 

  • peso: 39,5kg;
  • altura: 131cm;
  • IMC: 23kg/m²;
  • PA: 90x60mmHg;
  • FC: 100bpm;
  • circunferência abdominal (CA): 72cm;
  • relação CA/altura: 0,55 (VR <0,5);
  • ausculta cardiopulmonar: normal;
  • abdome: sem alterações à palpação;
  • Tanner: M1P1;
  • lipomastia bilateralmente;
  • hiperlordose lombar;
  • joelhos valgos.

Terapêutica do caso 1

Objetivos do tratamento no caso 1

Os objetivos do tratamento são os seguintes:

 

  • diagnosticar sobrepeso ou obesidade infantil;
  • identificar e tratar possíveis comorbidades associadas;
  • instituir hábitos alimentares e de atividade física;
  • propor medidas comportamentais que promovam a perda de peso ou diminuição do ganho de peso, permitindo a adequação do IMC para a faixa etária.

Condutas no caso 1

O peso, a altura, o alvo genético e o IMC foram plotados nos gráficos de crescimento da OMS correspondentes para o sexo. O pediatra observou peso >p97, altura entre p85 e p97, acima do alvo genético, IMC >p97, confirmando o diagnóstico de obesidade.

Foram solicitados exames de glicemia de jejum e lipidograma completos. O pediatra encaminhou a paciente para avaliação com nutricionista e orientou retorno para nova avaliação em 6 meses, com os exames solicitados.

Acertos e erros no caso 1

O pediatra confirmou o diagnóstico de obesidade pelo cálculo do IMC e pela avaliação pelos gráficos de IMC da OMS para sexo e idade.

A solicitação de exames complementares para rastreio de alterações da glicemia e dislipidemia não é consenso nessa idade, mas alguns autores recomendam o rastreio de comorbidades associadas à obesidade infantil. Nessa avaliação, poderia ter sido incluída a indicação de um exame por ortopedista, dadas as alterações identificadas ao exame físico.

A sua abordagem terapêutica inicial foi falha, por direcionar a orientação alimentar a outro profissional, sem orientar práticas básicas para uma alimentação saudável, além de orientações comportamentais quanto à atividade física, ao sono e ao uso de telas.

Nessa abordagem inicial, o pediatra poderia ter incentivado a ingestão de 5 porções de frutas e vegetais diariamente, a diminuição da ingestão de alimentos ricos em calorias, como gorduras saturadas em lanches salgados, e a diminuição da ingestão de alimentos com alto índice glicêmico, como doces. Além disso, o pediatra poderia ter orientado a minimizar a ingestão de bebidas contendo açúcar, como sucos e achocolatados em caixinha, e o consumo de ultraprocessados, como alimentos pré-fritos e congelados.

Ainda caberia orientar a diminuir o comportamento sedentário, com limitação do uso de telas a 2 horas por dia, e a participar de exercícios divertidos e apropriados para a sua idade e habilidades, como caminhadas e brincadeiras ao ar livre. Além disso, poderia sugerir o estímulo de comportamentos como refeições à mesa, acompanhada pela família, tendo os pais/responsáveis como modelos de comportamento, bem como orientar a higiene do sono, sem uso de telas antes de deitar, com 11 a 14 horas de sono por dia.

Evolução da paciente do caso 1

Após 6 meses, a paciente retornou com ganho de 5kg. A mãe relatava uma consulta com nutricionista no período e adesão parcial às orientações dietéticas — a paciente estava consumindo menos refrigerante e bebidas adoçadas, mas ainda não aceitava comer legumes e verduras.

Recursos terapêuticos do caso 1

Orientações terapêuticas do caso 1

A American Academy of Pediatrics (AAP), em suas recomendações de 2007,7 endossadas em 2015, e outras entidades médicas sugerem uma abordagem em etapas de pacientes com sobrepeso ou obesidade, que devem ser avançadas com base em resposta ao tratamento, idade, IMC, riscos à saúde e motivação (Figura 1).

FIGURA1: Abordagem em etapas para o tratamento da criança e do adolescente com sobrepeso ou obesidade. // Fonte: Adaptado de Barlow (2007);7 Cuda e Censani (2019).8

A primeira abordagem do paciente com sobrepeso ou obesidade infantil deve ser no consultório de atenção primária, pelo pediatra geral, com o aconselhamento sobre o consumo de 5 ou mais frutas e vegetais por dia, a limitação de até 2 horas por dia de tempo de tela e o incentivo de 1 hora por dia de brincadeiras ou exercícios. O aconselhamento deve ser baseado na família e preferencialmente por entrevista motivacional.

O retorno deve ser breve (até 3 meses), permitindo acolhimento e suporte ao paciente e à sua família. Se no retorno a criança não tiver perdido peso, esta pode ser encaminhada para uma avaliação com nutricionista para um planejamento alimentar estruturado de acordo com a densidade energética dos alimentos, além de ser orientada a atividade física programada e supervisionada por 1 hora por dia, objetivando um balanço energético negativo por meio de dieta e exercícios.

Diante da falha dessas medidas, recomenda-se a abordagem por uma equipe multidisciplinar com experiência em obesidade infantil, incluindo um psicólogo, um nutricionista, um educador físico e um endocrinologista pediátrico, atuando em conjunto ao provedor de cuidados primários (pediatra), que continuará a monitorar os problemas médicos, mantendo uma aliança de apoio com as famílias.7,8

Farmacoterapia do caso 2

Para essa faixa etária (menores de 12 anos), não há aprovação de medicamento para tratamento de obesidade pela agência reguladora de medicamentos e produtos para a saúde (Anvisa) ou outras agências regulatórias de medicamentos internacionais (como Food and Drug Administration [FDA] e European Medicines Agency [EMA]).

ATIVIDADES

1. Leia as afirmativas a seguir sobre os fatores de risco para o ganho aumentado de peso durante a pandemia de COVID-19.

I. Rotinas familiares interrompidas.

II. Atividade física reduzida.

III. Aumento do acesso a lanches não saudáveis.

IV. Aumento das porções fornecidas na escola.

Quais estão corretas?

A) Apenas a I, a II e a III.

B) Apenas a I, a II e a IV.

C) Apenas a I, a III e a IV.

D) Apenas a II, a III e a IV.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "A".


Os fatores de risco para o ganho aumentado de peso — como rotinas familiares interrompidas, desregulação do sono, atividade física reduzida, aumento do tempo de tela, aumento do acesso a lanches não saudáveis e acesso menos consistente a refeições com porções adequadas na escola — estiveram presentes durante a pandemia de COVID-19, em especial, para famílias economicamente mais desfavorecidas.

Resposta correta.


Os fatores de risco para o ganho aumentado de peso — como rotinas familiares interrompidas, desregulação do sono, atividade física reduzida, aumento do tempo de tela, aumento do acesso a lanches não saudáveis e acesso menos consistente a refeições com porções adequadas na escola — estiveram presentes durante a pandemia de COVID-19, em especial, para famílias economicamente mais desfavorecidas.

A alternativa correta e a "A".


Os fatores de risco para o ganho aumentado de peso — como rotinas familiares interrompidas, desregulação do sono, atividade física reduzida, aumento do tempo de tela, aumento do acesso a lanches não saudáveis e acesso menos consistente a refeições com porções adequadas na escola — estiveram presentes durante a pandemia de COVID-19, em especial, para famílias economicamente mais desfavorecidas.

2. Considerando que a paciente do caso clínico 1 retornou com ganho de 5kg após 6 meses, o uso de medicamento para tratamento de obesidade estaria indicado? Explique.

Confira aqui a resposta

Não, para essa faixa etária (menores de 12 anos), não há aprovação de medicamento para tratamento de obesidade pela agência reguladora de medicamentos e produtos para a saúde (Anvisa) ou outras agências regulatórias de medicamentos internacionais (como FDA e EMA). O retorno deve ser breve (até 3 meses), permitindo acolhimento e suporte ao paciente e à sua família. Se no retorno a criança não tiver perdido peso, esta pode ser encaminhada para uma avaliação com nutricionista para um planejamento alimentar estruturado de acordo com a densidade energética dos alimentos, além de ser orientada a atividade física programada e supervisionada por 1 hora por dia, objetivando um balanço energético negativo por meio de dieta e exercícios. Diante da falha dessas medidas, recomenda-se a abordagem por uma equipe multidisciplinar com experiência em obesidade infantil, incluindo um psicólogo, um nutricionista, um educador físico e um endocrinologista pediátrico, atuando em conjunto ao provedor de cuidados primários (pediatra), que continuará a monitorar os problemas médicos, mantendo uma aliança de apoio com as famílias.

Resposta correta.


Não, para essa faixa etária (menores de 12 anos), não há aprovação de medicamento para tratamento de obesidade pela agência reguladora de medicamentos e produtos para a saúde (Anvisa) ou outras agências regulatórias de medicamentos internacionais (como FDA e EMA). O retorno deve ser breve (até 3 meses), permitindo acolhimento e suporte ao paciente e à sua família. Se no retorno a criança não tiver perdido peso, esta pode ser encaminhada para uma avaliação com nutricionista para um planejamento alimentar estruturado de acordo com a densidade energética dos alimentos, além de ser orientada a atividade física programada e supervisionada por 1 hora por dia, objetivando um balanço energético negativo por meio de dieta e exercícios. Diante da falha dessas medidas, recomenda-se a abordagem por uma equipe multidisciplinar com experiência em obesidade infantil, incluindo um psicólogo, um nutricionista, um educador físico e um endocrinologista pediátrico, atuando em conjunto ao provedor de cuidados primários (pediatra), que continuará a monitorar os problemas médicos, mantendo uma aliança de apoio com as famílias.

Não, para essa faixa etária (menores de 12 anos), não há aprovação de medicamento para tratamento de obesidade pela agência reguladora de medicamentos e produtos para a saúde (Anvisa) ou outras agências regulatórias de medicamentos internacionais (como FDA e EMA). O retorno deve ser breve (até 3 meses), permitindo acolhimento e suporte ao paciente e à sua família. Se no retorno a criança não tiver perdido peso, esta pode ser encaminhada para uma avaliação com nutricionista para um planejamento alimentar estruturado de acordo com a densidade energética dos alimentos, além de ser orientada a atividade física programada e supervisionada por 1 hora por dia, objetivando um balanço energético negativo por meio de dieta e exercícios. Diante da falha dessas medidas, recomenda-se a abordagem por uma equipe multidisciplinar com experiência em obesidade infantil, incluindo um psicólogo, um nutricionista, um educador físico e um endocrinologista pediátrico, atuando em conjunto ao provedor de cuidados primários (pediatra), que continuará a monitorar os problemas médicos, mantendo uma aliança de apoio com as famílias.

2

Adolescente de 12 anos e 6 meses de idade, sexo masculino, é encaminhado pelo pediatra assistente para acompanhamento com endocrinologista pediátrico por hipotireoidismo. A mãe referia que, em exames solicitados em consulta de rotina, foi evidenciado TSH alterado, o que justificava o ganho excessivo de peso.

O paciente negava a presença de sintomas, como queda de cabelo, déficit de crescimento, alteração do sono ou dificuldade de aprendizagem. Referia constipação intestinal crônica e ganho de peso aumentado desde os 5 anos, já tendo passado por avaliações com nutricionista, sem sucesso quanto à perda de peso. Os exames trazidos mostravam ainda glicemia de jejum alterada e hipertrigliceridemia. Encontrava-se em uso de levotiroxina 25µg por dia há 1 mês.

A anamnese dirigida mostrou paciente nascido a termo (IG: 38 semanas e 2 dias), de parto cesáreo por oligodramnia, com peso de nascimento de 2.240g (PIG) e comprimento de nascimento de 47cm (AIG). Sem intercorrências no período neonatal, recebeu alta no terceiro dia de vida. Aleitamento materno misto desde o nascimento, alimentação complementar introduzida aos 3 meses de vida.

O diário alimentar mostrou:

 

  • não faz desjejum em casa;
  • às 9h30 colação na escola com um guaraná natural e um salgado;
  • às 12h30 almoço em casa com 6 colheres de sopa de arroz, 1 concha e meia de feijão, 1 porção de carne, salada de tomate e alface e suco industrializado;
  • às 16h lanche com 2 pães com margarina e café;
  • jantar às 20h, semelhante ao almoço ou substituído por fast food ou congelados, 3 a 4 vezes por semana;
  • ceia às 23h com pão ou biscoitos e suco;
  • guloseimas como balas e doces são frequentes, compradas na saída da escola.

Hábito intestinal constipado, diurese normal. Sono de 6 a 7 horas de duração por dia. Hábito de refeições no sofá da sala, em frente à TV. Tempo de tela de 6 horas ou mais por dia, com TV e jogos em dispositivos eletrônicos. Jogos de videogame on-line sem supervisão. Não pratica atividade física regular — educação física na escola uma vez por semana, durante 45 minutos.

Ao exame físico, observaram-se:

 

  • peso: 96kg (>p97);
  • altura: 160cm (p85, acima do alvo genético);
  • IMC: 37,5kg/m2 (>p97);
  • PA: 100x70mmHg;
  • FC: 92bpm;
  • CA: 110cm;
  • relação CA/altura: 0,68 (VR <0,5);
  • acantose nigricans em pescoço e axilas;
  • estrias brancas em abdome inferior e região lombar;
  • tireoide normopalpável;
  • pele de textura e temperatura normais;
  • ausculta cardiopulmonar normal;
  • abdome sem alterações à palpação;
  • ginecomastia com lipomastia bilateralmente;
  • Tanner: G3P4, pênis embutido com 6cm de comprimento, testículos de 15mL.

Os exames trazidos mostraram:

 

  • TSH: 6,8mcUI/mL (VR 0,3– 5,0);
  • T4 livre: 0,9ng/dL (VR 0,6–1,7);
  • glicemia de jejum: 102mg/dL;
  • hemoglobina glicada: 5,7%;
  • lipidograma: CT 205mg/dL (VR <170);
  • TG: 240mg/dL (VR <90);
  • HDL: 42mg/dL (VR >45);
  • LDL: 115mg/dL (VR <110);
  • TGO: 38UI/L (VR <40);
  • TGP: 30UI/L (VR <25).

Terapêutica do caso 2

Objetivos do tratamento no caso 2

Os objetivos do tratamento são os seguintes:

 

  • diagnosticar e tratar possíveis comorbidades associadas ao sobrepeso e à obesidade infantil;
  • intensificar as mudanças no estilo de vida necessárias para a adequação do IMC para a faixa etária;
  • intervir com terapêutica adicional quando as medidas iniciais falharem.

Condutas no caso 2

O endocrinologista pediátrico orientou a suspensão do uso de levotiroxina até a próxima avaliação. Conversou sobre o impacto positivo na saúde das mudanças no estilo de vida, estimulando a melhora dos hábitos alimentares, como:

 

  • fazer o desjejum diariamente;
  • diminuir o consumo de ultraprocessados, bebidas açucaradas e guloseimas;
  • realizar refeições à mesa, preferencialmente com a família, sem distrações;
  • realizar atividade física supervisionada regularmente.

O endocrinologista pediátrico orientou a evitar os comportamentos sedentários, com limitação do tempo de telas, e a realizar a higiene do sono. Solicitou avaliações com nutricionista e psicólogo e retorno em 3 meses, com novos exames laboratoriais (glicemia, hemoglobina glicada, lipidograma, função tireoidiana e transaminases hepáticas) e ultrassonografia de abdome total para avaliação hepática. Programou avaliar nesse retorno a indicação de associar medicamento para tratamento de obesidade.

Acertos e erros no caso 2

O pediatra identificou um quadro de hipotireoidismo subclínico e iniciou tratamento com levotiroxina em baixa dose. A presença de níveis aumentados de TSH com níveis normais ou discretamente aumentados de T4 livre (T4L) e/ou tri-iodotironina livre (T3L) em crianças com obesidade é frequentemente observada e sugere um processo adaptativo para o aumento do gasto energético, levando ao aumento da taxa metabólica basal e do gasto de energia total e em repouso, minimizando, assim, o ganho ponderal.9

Diferentes estudos observaram a normalização da função tireoidiana após perda de peso, sugerindo que a disfunção do tecido adiposo é o principal fator precipitante das alterações na função tireoidiana. Assim, acredita-se que o hipotireoidismo subclínico é uma consequência e não a causa da obesidade.9

Poucos estudos de pequenas séries de dados não mostraram efeitos benéficos sobre peso corporal, IMC, crescimento linear e lipídios corporais em pacientes com hipotireoidismo subclínico tratados com levotiroxina, sugerindo que a terapia com hormônio tireoidiano, na ausência de evidências clínicas e laboratoriais de hipotireoidismo, parece desnecessária.9

O paciente e a sua mãe relataram já terem passado por avaliação com nutricionista, sem modificação no ganho de peso. Percebe-se pela anamnese a persistência de hábitos alimentares e comportamentais que predispõem à obesidade e que devem ser combatidos de forma mais intensiva por uma equipe multidisciplinar, como sugerido pela abordagem em etapas (ver Quadro 1).

Ao exame físico, observam-se sinais de comorbidades associadas, confirmadas pelos exames laboratoriais. Assim, esse paciente pode ser elegível para tratamento medicamentoso da obesidade, já aprovado para adolescentes a partir de 12 anos, associado à intensificação das mudanças de estilo de vida.

Evolução do paciente do caso 2

No retorno após 3 meses, o paciente e a sua mãe relatavam melhora dos hábitos alimentares após consulta com nutricionista, com aquisição de hábitos de comer sentado à mesa e sem telas, com diminuição do tempo de tela em geral, mas especialmente antes de dormir, evoluindo com sono mais tranquilo e com mais horas por noite.

O paciente apresentava perda de 2,5kg (3% do peso corporal), com queda de IMC de 1,0kg/m² (IMC 36,5kg/m²), mantendo-se na classificação de obesidade. Nos exames, a função tireoidiana e a glicemia de jejum estavam normais, com queda da hemoglobina glicada, e a ultrassonografia de abdome total mostrava esteatose hepática grau 1.

Recursos terapêuticos do caso 2

Orientações terapêuticas do caso 2

Entre as orientações terapêuticas para o caso clínico 2, está a avaliação do paciente com nutricionista para planejamento alimentar estruturado, além de atividade física com supervisão de educador físico, adequada para suas habilidades e seu nível de condicionamento físico, considerando suas preferências, com aumento progressivo de frequência, intensidade e duração,7 com objetivo de um mínimo de 60 minutos diários de atividades físicas de intensidade moderada a vigorosa.

Solicitou-se limitar tempo de tela de 2 a 3 horas por dia, usar dispositivos eletrônicos sob supervisão, preferencialmente nos lugares comuns da casa (e não isolado, em quarto), e nunca virar a noite jogando.10 O sono deve ser de 8 a 10 horas por dia, sem uso de telas 1 a 2 horas antes de dormir.8

Solicitou-se avaliação com psicólogo, com foco em fatores psicológicos que podem contribuir para comportamentos alimentares e obesidade, incluindo imagem corporal distorcida, humor negativo e controle de estímulos, visando à melhoria na saúde psicossocial, qualidade de vida e autoestima.11

O tratamento medicamentoso foi realizado com liraglutida, via subcutânea, 3mg/dia (sendo iniciado com dose baixa e com progressões semanais até a dose terapêutica).

Farmacoterapia do caso 2

Após as mudanças no estilo de vida, se a perda de peso não for suficiente, a associação da farmacoterapia pode ser necessária.

No Brasil, até o momento, a liraglutida é a única medicação com aprovação pela Anvisa para o tratamento da obesidade em adolescentes a partir de 12 anos de idade. Atualmente há um estudo em andamento com o uso de semaglutida 2,4mg por semana em adolescentes (12 a 17 anos), com boas perspectivas de comprovação de eficácia e segurança.

Nos EUA, a liraglutida, o orlistate e a fentermina são aprovados pela agência reguladora local (FDA) para tratar adolescentes com obesidade, enquanto na Europa há liberação apenas para uso de liraglutida com essa indicação.

As principais características dos medicamentos usados no tratamento da obesidade em adolescentes estão descritas no Quadro 1.

Quadro 1

CARACTERÍSTICAS DOS MEDICAMENTOS MAIS COMUMENTE USADOS NO TRATAMENTO DA OBESIDADE EM ADOLESCENTES

Liraglutida

  • Medicamento análogo de glucagon-like peptide-1 (GLP-1), que é um hormônio secretado pelas células intestinais enteroendócrinas, em baixas concentrações continuamente durante o jejum e em níveis aumentados após a refeição, que aumenta a secreção da insulina e induz à saciedade, pelos mecanismos de:
    • diminuição do esvaziamento gástrico;
    • estimulação direta de neurônios que sintetizam POMC/CART (via anorexígena), levando ao aumento da saciedade;
    • inibição indireta da neurotransmissão em neurônios que expressam NPY/AGRP (via orexígena), reduzindo a fome;
    • estimulação no núcleo arqueado do hipotálamo, do sistema límbico/recompensa em amígdala e córtex;
    • ativação da via simpática, aumentando a termogênese do tecido adiposo marrom e o gasto energético em repouso.
  • Dose: 3mg/dia.
  • Aprovada pelo FDA, pela Anvisa (2020) e pela EMA (2021) para o tratamento da obesidade em adolescentes de 12 a 17 anos com um peso corporal de pelo menos 60kg e um IMC inicial ≥30kg/m².
  • Efeitos adversos: náuseas/vômitos e diarreia.
  • Contraindicado em pacientes que têm histórico pessoal ou familiar de carcinoma medular de tireoide ou neoplasia endócrina múltipla tipo 2.

Orlistate

  • Inibe as lipases pancreática e gástrica e diminui a absorção lipídica.
  • Dose usual: 120mg, 3x/dia, com as refeições.
  • Aprovado pelo FDA para tratamento de adolescentes >12 anos de idade.
  • Pela Anvisa, é aprovado apenas para uso em adultos.
  • A Abeso considera o uso em >12 anos.
  • Uso limitado pelos efeitos colaterais gastrintestinais associados, como fezes oleosas, dor abdominal, urgência fecal e incontinência, flatus e deficiência de vitaminas lipossolúveis.
  • Contraindicações: má absorção crônica, colestase e gravidez.

Fentermina

  • Derivado de anfetamina, reduz a recaptação da norepinefrina, estimulando os neurônios POMC no hipotálamo. Também afeta a recaptação de serotonina e dopamina, o que no córtex pré-frontal melhora o controle inibidor do apetite.
  • Dose usual: 15mg, 30mg ou 37,5mg, diariamente.
  • Aprovada nos EUA para >16 anos para uso por uma curta duração de até 12 semanas.
  • Efeitos colaterais mais comuns: irritabilidade, insônia, alteração de humor, boca seca, tontura, tremor, dor de cabeça, elevação da FC e da PA e efeitos colaterais gastrintestinais.
  • Contraindicações: história de DCVs passadas ou descontroladas, hipertireoidismo, glaucoma e uso atual de inibidores de monoamina oxidase.

Sibutramina

  • Inibe a recaptação de noradrenalina, serotonina e dopamina, estimulando a saciedade e termogênese:
    • pelo receptor 5-HT2C e ativa a clivagem da POMC (via anorexígena);
    • pelo receptor 5-HT1B hiperpolariza e inibe no núcleo arqueado os neurônios NPY/AGRP (via orexígena);
    • deprime a transmissão inibitória gabaérgica ao hormônio melanotrófico alfa (αMSH) e transcriptos relacionados à anfetamina e cocaína (CART), que têm função anorexígena.
  • Dose usual: 10 a 15mg/dia.
  • Aprovada pela Anvisa para tratamento de adultos.
  • Uso sugerido em ≥16 anos pela Abeso*.
  • Reações comuns: constipação, boca seca, insônia, cefaleia, ansiedade, sudorese e alterações do paladar.
  • Um aumento da PA e da FC foi observado em estudos clínicos pré-comercialização, sendo recomendada a monitoração durante o uso.

Abeso: Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. // Fonte: Adaptado de Cominato e colaboradores (2021);12 Singhal e colaboradores (2021).13

ATIVIDADES

3. Leia as afirmativas a seguir sobre os fatores de risco para obesidade observados no caso clínico 2.

I. Ter nascido PIG.

II. Realizar introdução alimentar precoce.

III. Promover aleitamento materno.

IV. Não fazer o desjejum.

Quais estão corretas?

A) Apenas a I, a II e a III.

B) Apenas a I, a II e a IV.

C) Apenas a I, a III e a IV.

D) Apenas a II, a III e a IV.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "B".


O aleitamento materno é considerado fator protetor contra a obesidade infantil.

Resposta correta.


O aleitamento materno é considerado fator protetor contra a obesidade infantil.

A alternativa correta e a "B".


O aleitamento materno é considerado fator protetor contra a obesidade infantil.

4. Qual medicação é aprovada, até o momento, no Brasil para o tratamento da obesidade em adolescentes a partir de 12 anos de idade?

A) Fentermina.

B) Orlistate.

C) Semaglutida.

D) Liraglutida.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "D".


No Brasil, até o momento, a liraglutida é a única medicação com aprovação pela Anvisa para o tratamento da obesidade em adolescentes a partir de 12 anos de idade. Atualmente há um estudo em andamento com o uso de semaglutida 2,4mg por semana em adolescentes (12 a 17 anos), com boas perspectivas de comprovação de eficácia e segurança. Nos EUA, a liraglutida, o orlistate e a fentermina são aprovados pela agência reguladora local (FDA) para tratar adolescentes com obesidade, enquanto na Europa há liberação apenas para uso de liraglutida com essa indicação.

Resposta correta.


No Brasil, até o momento, a liraglutida é a única medicação com aprovação pela Anvisa para o tratamento da obesidade em adolescentes a partir de 12 anos de idade. Atualmente há um estudo em andamento com o uso de semaglutida 2,4mg por semana em adolescentes (12 a 17 anos), com boas perspectivas de comprovação de eficácia e segurança. Nos EUA, a liraglutida, o orlistate e a fentermina são aprovados pela agência reguladora local (FDA) para tratar adolescentes com obesidade, enquanto na Europa há liberação apenas para uso de liraglutida com essa indicação.

A alternativa correta e a "D".


No Brasil, até o momento, a liraglutida é a única medicação com aprovação pela Anvisa para o tratamento da obesidade em adolescentes a partir de 12 anos de idade. Atualmente há um estudo em andamento com o uso de semaglutida 2,4mg por semana em adolescentes (12 a 17 anos), com boas perspectivas de comprovação de eficácia e segurança. Nos EUA, a liraglutida, o orlistate e a fentermina são aprovados pela agência reguladora local (FDA) para tratar adolescentes com obesidade, enquanto na Europa há liberação apenas para uso de liraglutida com essa indicação.