Os transtornos alimentares (TAtranstornos alimentares) são caracterizados pelo comprometimento persistente da alimentação ou do comportamento alimentar, o que resulta no consumo ou na absorção alterados de alimentos e impacta na saúde física e psicossocial do indivíduo.
Os TAtranstornos alimentares podem se iniciar muito cedo na vida e se manterem presentes por vários anos. Muito embora as complicações clínicas e psiquiátricas agudas causem grande preocupação aos membros da família do paciente, assim como aos profissionais de saúde envolvidos, os TAtranstornos alimentares que serão o foco deste texto tendem a ser condições persistentes, acompanhadas de sequelas físicas e psicossociais, e os seus quadros mais graves são de difícil recuperação, tais como:
- ■ anorexia nervosa (ANanorexia nervosa);
- ■ bulimia nervosa (BNbulimia nervosa);
- ■ transtorno da compulsão alimentar (TCAtranstorno da compulsão alimentar);
- ■ síndromes incompletas e/ou atípicas.
Algumas características são distintivas dos TAtranstornos alimentares em termos da busca de tratamento adequado. Em grande parte de casos, os sintomas iniciais dos TAtranstornos alimentares permanecem pouco visíveis, quer por conta das primeiras manifestações poderem ser limítrofes com o comportamento alimentar normal, quer por conta de serem ocultados ativamente pelos pacientes.
Muitas vezes, somente com o agravamento dos casos ou quando surgem complicações clínicas ou psiquiátricas é que o paciente procura ajuda ou é trazido para avaliação médica e psicológica. E, ainda mais, por serem síndromes mistas, com componentes psicológicos e psiquiátricos que ocorrem ao mesmo tempo, podem ter o diagnóstico inicial dificultado.
Em função de sua natureza multifatorial, o tratamento dos TAtranstornos alimentares deve ser conduzido por uma equipe multiprofissional treinada na condução destes casos. Assim, o psiquiatra, o clínico, o psicólogo, o nutricionista, a enfermagem e os outros profissionais de saúde devem trabalhar integradamente.
A integração da equipe de saúde ocorre desde a avaliação e o estadiamento do caso, passa pela definição do nível de atendimento e planejamento terapêutico e segue no acompanhamento do paciente. Serão apresentados, a seguir, alguns conceitos básicos relacionados a classificação, diagnóstico, etiologia, curso e tratamento dos TAtranstornos alimentares, dando-se ênfase a este enfoque multiprofissional.
■ Objetivos
Ao final do artigo, o leitor poderá:
- ■ reconhecer como os TAtranstornos alimentares estão definidos na Classificação Psiquiátrica Americana (DSM-5Diagnostic and Statistical Manual for Mental Disorders) e na Classificação Internacional de Doenças (CID-11Classificação Internacional de Doenças);
- ■ identificar os principais sinais e sintomas das síndromes alimentares;
- ■ saber como avaliar os TAtranstornos alimentaress e reconhecer os principais instrumentos de sua avaliação traduzidos para o português;
- ■ identificar os diversos fatores etiológicos envolvidos na gênese dos TAtranstornos alimentaress;
- ■ realizar o diagnóstico diferencial dos TAtranstornos alimentaress;
- ■ fazer o estadiamento em relação ao risco físico e psiquiátrico, assim como o planejamento do nível adequado de cuidado de um caso de transtorno de transtorno alimentar;
- ■ compreender as principais recomendações terapêuticas baseadas em evidências para os TAtranstornos alimentaress.
■ Esquema conceitual
■ Etiologia
A etiologia dos TAtranstornos alimentaress é multifatorial, e a importância dos diversos fatores de risco em sua gênese varia de acordo com cada caso. Vale ressaltar que a simples presença dos fatores de risco típicos pode não ser suficiente para o desenvolvimento do transtorno.
Frequentemente, é necessário que ocorra um ou mais eventos desencadeantes, que podem ser externos (como a ocorrência de conflitos familiares) ou internos (como mudanças hormonais durante a adolescência).
Dentre os principais aspectos etiológicos relacionados aos TAtranstornos alimentaress, destacam-se os fatores neurobiológicos, socioculturais, psicológicos e familiares.
Neurobiologia
A serotonina (5-HTserotonina) é um neurotransmissor relacionado à regulação do humor, ao controle do comportamento alimentar e à regulação de impulsos. Avaliações no liquor de pacientes com ANanorexia nervosa e BNbulimia nervosa, por meio da mensuração do metabólito 5-ácido-hidroxi-indolacético (5-HIAA) e a avaliação com neuroimagem funcional por radioligandos para 5-HTserotonina, sugerem que a atividade serotonérgica está alterada tanto na fase aguda como também após a recuperação da doença.
A dopamina é um neurotransmissor relacionado ao processamento de prazer e recompensa em áreas subcorticais do cérebro, além de atuar no processamento cognitivo da tomada de decisões e de funções executivas. As pacientes com ANanorexia nervosa apresentam menores níveis de metabólitos de dopamina, em avaliações de liquor, do que controles.9
Os estudos de neuroimagem funcional em pacientes com ANanorexia nervosa sugerem que elas apresentam uma hipoativação de áreas cerebrais relacionadas ao processamento de prazer e recompensas (regiões subcorticais) e uma hiperativação daquelas que controlam o planejamento e controle comportamental (lobo frontal). Nas pacientes com BNbulimia nervosa e TCAtranstorno da compulsão alimentar, o padrão sugerido é o oposto, com uma hipoativação frontal e hiperativação de sistemas de antecipação de recompensa e prazer.9
Aspectos Socioculturais
Os TAtranstornos alimentaress podem ter apresentações diferentes de acordo com o país, a época em que ocorrem e a cultura de um povo. Os padrões de beleza e a forma física valorizados dentro de uma determinada cultura podem participar do desenvolvimento de um TAtranstornos alimentares quando incidem em pessoas vulneráveis, isto é, com outros fatores de risco.
Atualmente, essa apresentação clínica da ANanorexia nervosa é classificada na CID-10Classificação Internacional de Doenças e na DSM-5Diagnostic and Statistical Manual for Mental Disorders como uma forma atípica de ANanorexia nervosa ou um transtorno alimentar sem outra especificação (TASOEtranstorno alimentar sem outra especificação). Aparentemente, a ANanorexia nervosa sem fobia de peso tem um curso mais favorável que a forma típica, tem uma menor taxa de conversão para BNbulimia nervosa e está associada apenas à restrição alimentar, e não a outros sintomas, como a compulsão e a purgação.10
Algumas profissões e atividades são tipicamente ligadas a uma maior frequência de ANanorexia nervosa e BNbulimia nervosa. Dançarinos, modelos, atletas de alta performance e profissionais de qualquer atividade que demande magreza ou baixo peso e promova um ambiente competitivo pode aumentar o risco para o desenvolvimento de um TAtranstornos alimentares.
Aspectos Psicológicos
Alguns traços de personalidade estão associados ao desenvolvimento de TAtranstornos alimentares por modularem a forma como os indivíduos percebem e reagem a determinados estressores ambientais. A emocionalidade negativa está relacionada aos TAtranstornos alimentares.
O perfeccionismo, caracterizado pela propensão a perseguir um comportamento ou realizar atividades sem qualquer falha, é outro traço de personalidade associado aos TAtranstornos alimentaress. Análises longitudinais apontam que emocionalidade negativa associada ao perfeccionismo, depressão, mal-estar internalizado e insatisfação corporal são preditores do desenvolvimento de ANanorexia nervosa e BNbulimia nervosa.10
Há uma forte associação entre traços de transtornos de personalidade (TP) borderline e histriônico com a BNbulimia nervosa. Além disso, entre 30 e 65% das pacientes com BNbulimia nervosa apresentam um TP. As pacientes com ANanorexia nervosa ou BNbulimia nervosa com hábitos purgativos apresentam um maior risco de ter um TP associado do que as pacientes com hábitos restritivos.11
Aspectos Familiares
Percebe-se uma agregação familiar para os TAtranstornos alimentares. A presença de um portador de qualquer TAtranstornos alimentares em uma família aumenta o risco de que outro membro dessa família seja acometido por um TAtranstornos alimentares, clínico ou subclínico. Não há consenso de que esse risco seja mediado pela genética. Estudos com gêmeos monozigóticos e dizigóticos sugerem que a influência genética no desenvolvimento dos TAtranstornos alimentares fique entre 50 e 80%.9
A avaliação das dinâmicas familiares de pacientes é um aspecto fundamental para o tratamento. Não há um padrão familiar típico para o desenvolvimento dos TAtranstornos alimentaress e nem um tipo de família característico para cada um dos diferentes diagnósticos. Geralmente, os pacientes com TAtranstornos alimentares avaliam que suas famílias são mais disfuncionais do que sujeitos sem TAtranstornos alimentares. A presença de familiares que fazem críticas ou comentários sobre o peso ou a forma do corpo das pacientes durante o período da infância e adolescência e a superproteção paterna são fatores associados com o desenvolvimento da NA.12
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1. Em relação às afirmações sobre os fatores de risco para o desenvolvimento de um TAtranstornos alimentares, assinale V (verdadeiro) ou F (falso).
( ) Há influência da mídia no desenvolvimento dos TAtranstornos alimentares, já que ela valoriza padrões de beleza relacionados à magreza
( ) As mães que frequentemente criticam o peso e o corpo de suas filhas formulam dinâmicas que predispõem estas aos TAtranstornos alimentares.
( ) A prática de exercícios físicos regulares para o controle do sobrepeso é um fator de risco para os TAtranstornos alimentares.
( ) Algumas atividades são consideradas de “risco” para o desenvolvimento dos TAtranstornos alimentares, como as de bailarinos e modelos.
Marque a alternativa que apresenta a sequência correta.
A) V – V – F – V
B) V – V – V – V
C) F – F – F – V
D) F – V – V – V
Confira aqui a resposta
Resposta incorreta. A resposta é a "A".
Resposta correta.
A resposta é a "A".