- Introdução
Doença trofoblástica gestacional (DTGdoença trofoblástica gestacional) é o termo aplicado a um grupo de tumores relacionado à gestação, caracterizado por entidades clínicas benignas (mola hidatiforme [MHmola hidatiforme]) e malignas (neoplasia trofoblástica gestacional [NTGneoplasia trofoblástica gestacional]).
A DTGdoença trofoblástica gestacional é conhecida desde os idos hipocráticos, quando Diocles de Caristos, discípulo de Hipócrates, fazia referência a mulheres que sangravam após apresentar “inchaço no útero” devido ao consumo de água pantanosa contaminada. No século V da era cristã, o grande compilador bizantino Aetio de Amida, em seu Tetrabiblos, foi o primeiro a referir que grávidas eliminavam pequenas vesículas uterinas acompanhadas por sangramento no início da gravidez. Pela semelhança com as hidátides, nomeou-as hydrops uteri.
Coube a William Smellie, em 1754, utilizar os termos “mola” e “hidátide” para descrever as vesículas uterinas características da doença trofoblástica. Apenas com Alfred Velpeau, em 1827, as vesículas hidatiformes foram apresentadas como uma degeneração edematosa das vilosidades coriais. Em 1889, Max Sanger aventa a transformação maligna da MHmola hidatiforme, cuja natureza histológica só foi corretamente descrita por Félix Jacob Marchand, em 1895, como coriocarcinoma (CCAcoriocarcinoma).
Em 1928, Selmar Aschheim e Bernhard Zondek isolaram uma substância na urina de mulheres grávidas que era capaz de estimular os ovários de ratas. Chamaram essa substância de “prolan”, hoje conhecida como gonadotrofina coriônica humana (hCGgonadotrofina coriônica humana), e logo reconheceram a gravidez molar como uma doença com elevado níveis de hCGgonadotrofina coriônica humana.
Era conhecido o diverso comportamento biológico da gravidez molar. Conquanto pacientes apresentassem curso benigno e, ao cabo de 6 a 8 semanas, evolviam para a cura da MHmola hidatiforme, outras, ao revés, tinham evolução clínica tumultuada, aparecimento de metástases e, não raro, o decesso. A única maneira de diferenciar essas duas formas evolutivas era a dosagem sistemática de hCGgonadotrofina coriônica humana nas pacientes.
A dosagem de hCGgonadotrofina coriônica humana estabilizada por 4 semanas consecutivas ou elevada por 3 semanas seguidas, afastada a gravidez ou restos molares, é diagnostico de transformação maligna da MHmola hidatiforme, a NTGneoplasia trofoblástica gestacional.
Em casos de NTGneoplasia trofoblástica gestacional, a única alternativa, até a década de 1950, era a histerectomia, que nem sempre era capaz de determinar a cura das pacientes, dada a natureza sistêmica da doença. Eis que, em 1956, pesquisadores do National Cancer Institute de Bethesda, Maryland (Estados Unidos da América [EUAEstados Unidos da América]), Min Chiu Li, Donald Spencer e Roy Hertz, descobriram a ametopterina, hoje conhecida como metotrexato (MTXmetotrexato), o primeiro quimioterápico do mundo capaz de curar virtualmente todos os casos de NTGneoplasia trofoblástica gestacional.
Diante de todos os avanços, acredita-se que coube a Paulo Belfort fundar, na 33ª Enfermaria (Maternidade) da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (Serviço do Professor Jorge de Rezende), o primeiro centro especializado em seguimento de doença trofoblástica no mundo. Belfort foi o responsável por sistematizar o estudo da gravidez molar no Brasil, fazendo inúmeros discípulos e difundindo a importância do seguimento pós-molar no País.1
Coube a Paulo Belfort, Jorge de Rezende e José Maria Barcellos a lavra do primeiro livro brasileiro sobre o tema. Belfort permaneceu na direção do Centro de Doença Trofoblástica Gestacional da 33ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro até 2012, quando foi sucedido por Antonio Braga, sob o qual repousa a nobre e hercúlea missão de tratar as pacientes com gravidez molar no Rio de Janeiro, quer na Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro, quer no Hospital Universitário Antonio — onde hoje funciona o centro de referência em DTGdoença trofoblástica gestacional do Estado do Rio de Janeiro.1
Antonio Braga fomentou a união da família trofoblástica brasileira, consubstanciada na fundação da Associação Brasileira de Doença Trofoblástica Gestacional, entidade oficial vinculada à Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia e à International Society for the Study of Trophoblastic Disease, e que hoje dita os rumos da DTGdoença trofoblástica gestacional no Brasil.1
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de
- identificar o diagnóstico e o tratamento da gravidez molar;
- reconhecer precocemente casos de NTGneoplasia trofoblástica gestacional e o estadiamento dessa neoplasia, atribuindo seu fator de risco para quimiorresistência a agente único;
- indicar as formas mais apropriadas para o tratamento de mulheres com NTGneoplasia trofoblástica gestacional.
- Esquema conceitual