Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- conhecer o contexto atual e o impacto das alterações urinárias consequentes à neurodisfunções na qualidade de vida da mulher;
- identificar os conceitos básicos da neurofisiologia da micção e sua correlação com a prática da assistência ginecológica;
- propor uma abordagem atualizada sobre as disfunções urinárias relacionadas a neuropatias por meio da medicina baseada em evidências.
Esquema conceitual
Introdução
Neuropatias ou disfunções neurogênicas do trato urinário inferior são uma grande variedade de condições neurológicas que podem afetar a função do trato urinário inferior, determinando o comprometimento da função de enchimento e/ou de esvaziamento vesical. Podem ainda ter consequências mais graves, como lesões renais ou perda da função renal.1–5
As neuropatias decorrem de lesões cerebrais, da medula espinhal ou do sistema nervoso periférico (SNP). É comum apresentarem múltiplos e variados sintomas, como incontinência urinária, urgência miccional e problemas no esvaziamento vesical.5–7 A gravidade desses sintomas depende de fatores como a natureza, o sítio, a extensão e o desenvolvimento da lesão neurológica.
A identificação dessas lesões, se estável ou progressiva, se decorrente de processos inflamatórios ou degenerativos, em que nível do sistema nervoso ocorreu, se ocorreu na infância ou por problemas congênitos, é importante, pois tende a produzir padrões característicos de disfunção vesical.1–7
As disfunções urinárias decorrentes de neuropatias impactam muito na qualidade de vida. Os sintomas podem levar ao isolamento social, prejudicar as atividades da vida diária e reduzir a expectativa de vida. Geralmente, outras intercorrências podem estar associadas, como infecções do trato urinário de repetição por esvaziamento incompleto da urina, que podem ser agravadas por resistência bacteriana, com consequente urossepses e danos renais.1–7
Podem ser necessárias intervenções médicas frequentes, internações, e pode haver complicações, com refluxo vesicoureteral, uso de fraldas, cateterismo vesical e até institucionalização. Essas condições geram impacto econômico para a família, com despesas associadas ao custo dos materiais, dos fármacos e à equipe de apoio, como fisioterapeutas, fonoaudiólogos, técnicos em enfermagem e cuidadores.1–7
As disfunções urinárias relacionadas às neuropatias não são exclusivas de mulheres adultas, podendo ocorrer também no sexo masculino e em crianças. Na infância, a causa mais comum da bexiga neurogênica está relacionada ao disrafismo espinal, principalmente a mielodisplasia. A transição para a vida adulta é um momento complicado tanto para a paciente jovem quanto para os cuidadores e para o médico assistente, pois a paciente quer se tornar independente dos cuidadores, e a adesão ao tratamento é reduzida. Além disso, a transição para clínicas de adultos dessas pacientes com bexiga neurogênica geralmente não está bem estabelecida.8,9
Na prática, para a abordagem ginecológica, os distúrbios miccionais podem afetar o armazenamento da urina ou sua eliminação ou ambos. Essas funções são controladas pelos mesmos mecanismos neurais e do trato urinário. O resultado, portanto, é incontinência ou retenção, e os cuidados podem variar de acordo com as condições socioeconômicas e geográficas da paciente.10